O Jornal de Notícias censurou um artigo de opinião de Mário Crespo, um dos mais prestigiados jornalistas portugueses, sob alegações dúbias e supostamente «éticas». Já se sabia que o discurso da «ética» e os dislates «deontológicos» sempre serviram para - na ausência dos coronéis do lápis azul - amordaçar jornalistas e vozes incómodas. O JN coloca-se, assim, na fila dos reverentes e obrigados bajuladores do Primeiro-ministro
O Fim da Linha
Mário Crespo*
Terça-feira dia 26 de Janeiro. Dia de Orçamento.
O Primeiro-ministro José Sócrates, o Ministro de Estado Pedro SilvaPereira, o Ministro de Assuntos Parlamentares, Jorge Lacão e umexecutivo de televisão encontraram-se à hora do almoço no restaurantede um hotel em Lisboa.
Fui o epicentro da parte mais colérica de uma conversa claramenteouvida nas mesas em redor. Sem fazerem recato, fui publicamentereferenciado como sendo mentalmente débil (“um louco”) a necessitar de(“ir para o manicómio”). Fui descrito como “um profissionalimpreparado”. Que injustiça. Eu, que dei aulas na Independente. Adefunta alma mater de tanto saber em Portugal.Definiram-me como “um problema” que teria que ter “solução”. Houve, norestaurante, quem ficasse incomodado com a conversa e me tivesse feitochegar um registo. É fidedigno. Confirmei-o.
Uma das minhas fontes para o aval da legitimidade do episódiocomentou (por escrito): “(…) o PM tem qualidades e defeitos, entre osquais se inclui uma certa dificuldade para conviver com o jornalismolivre (…)”. É banal um jornalista cair no desagrado do poder. Há umgrau de adversariedade que é essencial para fazer funcionar o sistemade colheita, retrato e análise da informação que circula num Estado.Sem essa dialéctica só há monólogos.
Sem esse confronto só há Yes-Men cabeceando em redor de líderes domomento dizendo yes-coisas, seja qual for o absurdo que sejam chamadosa validar. Sem contraditório os líderes ficam sem saber quem são, nomeio das realidades construídas pelos bajuladores pagos. Isto é maupara qualquer sociedade. Em sociedades saudáveis os contraditórios sãotidos em conta. Executivos saudáveis procuram-nos e distanciam-se dosexecutores acríticos venerandos e obrigados.
Nas comunidades insalubres e nas lideranças decadentes oscontraditórios são considerados ofensas, ultrajes e produtos dedemência. Os críticos passam a ser “um problema” que exige “solução”.Portugal, com José Sócrates, Pedro Silva Pereira, Jorge Lacão e com oexecutivo de TV que os ouviu sem contraditar, tornou-se numa sociedadeinsalubre.
Em 2010 o Primeiro-ministro já não tem tantos “problemas” nos mediacomo tinha em 2009.
O “problema” Manuela Moura Guedes desapareceu.
O problema José Eduardo Moniz foi “solucionado”.
O Jornal de Sexta da TVI passou a ser um jornal à sexta-feira edeixou de ser “um problema”.
Foi-se o “problema” que era o Director do Público.
Agora, que o “problema” Marcelo Rebelo de Sousa começou a serresolvido na RTP, o Primeiro Ministro de Portugal, o Ministro deEstado e o Ministro dos Assuntos Parlamentares que tem a tutela dacomunicação social abordam com um experiente executivo de TV, em diade Orçamento, mais “um problema que tem que ser solucionado”. Eu.
Que pervertido sentido de Estado. Que perigosa palhaçada.
*Jornalista
(Artigo originalmente redigido para ser publicacado ontem, 1 de Fevereiro de 2010)