terça-feira, 2 de fevereiro de 2010

Contra a censura e o pensamento único

O Jornal de Notícias censurou um artigo de opinião de Mário Crespo, um dos mais prestigiados jornalistas portugueses, sob alegações dúbias e supostamente «éticas». Já se sabia que o discurso da «ética» e os dislates «deontológicos» sempre serviram para - na ausência dos coronéis do lápis azul - amordaçar jornalistas e vozes incómodas. O JN coloca-se, assim, na fila dos reverentes e obrigados bajuladores do Primeiro-ministro

O Fim da Linha
Mário Crespo*

Terça-feira dia 26 de Janeiro. Dia de Orçamento.

O Primeiro-ministro José Sócrates, o Ministro de Estado Pedro SilvaPereira, o Ministro de Assuntos Parlamentares, Jorge Lacão e umexecutivo de televisão encontraram-se à hora do almoço no restaurantede um hotel em Lisboa.

Fui o epicentro da parte mais colérica de uma conversa claramenteouvida nas mesas em redor. Sem fazerem recato, fui publicamentereferenciado como sendo mentalmente débil (“um louco”) a necessitar de(“ir para o manicómio”). Fui descrito como “um profissionalimpreparado”. Que injustiça. Eu, que dei aulas na Independente. Adefunta alma mater de tanto saber em Portugal.Definiram-me como “um problema” que teria que ter “solução”. Houve, norestaurante, quem ficasse incomodado com a conversa e me tivesse feitochegar um registo. É fidedigno. Confirmei-o.

Uma das minhas fontes para o aval da legitimidade do episódiocomentou (por escrito): “(…) o PM tem qualidades e defeitos, entre osquais se inclui uma certa dificuldade para conviver com o jornalismolivre (…)”. É banal um jornalista cair no desagrado do poder. Há umgrau de adversariedade que é essencial para fazer funcionar o sistemade colheita, retrato e análise da informação que circula num Estado.Sem essa dialéctica só há monólogos.

Sem esse confronto só há Yes-Men cabeceando em redor de líderes domomento dizendo yes-coisas, seja qual for o absurdo que sejam chamadosa validar. Sem contraditório os líderes ficam sem saber quem são, nomeio das realidades construídas pelos bajuladores pagos. Isto é maupara qualquer sociedade. Em sociedades saudáveis os contraditórios sãotidos em conta. Executivos saudáveis procuram-nos e distanciam-se dosexecutores acríticos venerandos e obrigados.

Nas comunidades insalubres e nas lideranças decadentes oscontraditórios são considerados ofensas, ultrajes e produtos dedemência. Os críticos passam a ser “um problema” que exige “solução”.Portugal, com José Sócrates, Pedro Silva Pereira, Jorge Lacão e com oexecutivo de TV que os ouviu sem contraditar, tornou-se numa sociedadeinsalubre.

Em 2010 o Primeiro-ministro já não tem tantos “problemas” nos mediacomo tinha em 2009.

O “problema” Manuela Moura Guedes desapareceu.

O problema José Eduardo Moniz foi “solucionado”.

O Jornal de Sexta da TVI passou a ser um jornal à sexta-feira edeixou de ser “um problema”.

Foi-se o “problema” que era o Director do Público.

Agora, que o “problema” Marcelo Rebelo de Sousa começou a serresolvido na RTP, o Primeiro Ministro de Portugal, o Ministro deEstado e o Ministro dos Assuntos Parlamentares que tem a tutela dacomunicação social abordam com um experiente executivo de TV, em diade Orçamento, mais “um problema que tem que ser solucionado”. Eu.

Que pervertido sentido de Estado. Que perigosa palhaçada.

*Jornalista

(Artigo originalmente redigido para ser publicacado ontem, 1 de Fevereiro de 2010)

6 comentários:

  1. A culpa é do senhor Crespo; quem o manda ser como eu...

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  2. o Crespo não é flor que se cheire. Isto não passa de uma false-flag em nome da alternância eterna entre os dois constituintes do Bloco Central (Crespo dixit: "já votei em quase tudo onde havia para votar" - "quase"). Como segundo efeito, colateral, a barafunda mediática também serve para vender o livro prefaciado pelo sr. Medina Carreira. Um acontecimento. Seremos nós capazes de identificar aqui uma marca de origem de interesse de classe?
    ou a trampa já se dissolveu no ar e toldou a visão com o nevoeiro à classe dos trabalhadores cuja opinião já não conta para nada?
    x

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  3. Crespo tem o direito de votar em quem quiser. A questão não é essa. O que está em jogo é o ataque terrorista aos críticos de Sócrates e às vozes «incómodas» para o poder «socialista». E, convenhamos, Mário Crespo não precisa disto para vender livros - mas esse, seguramente, é um um «argumento» interessante que poderia perfeitamente ter tido origem na máquina de propaganda socratina. Ou de como, não raras vezes a «esquerdofrenia» se confunde com a direita mais acabada...

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  4. com certeza que Crespo pode votar onde lhe der na real bolha, que nós temos o direito de nos estarmos a marimbar para isso. Já pela sua simpatia pelo reanganismo manifestada publicamente neste video poderá ser finalmente identificada a sua marca de classe? porque é que os meios de "comunicação" são quase exclusivamente usados por crespos&patrões e não na mesma equidade por representantes do mundo do trabalho?

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  5. Xatoo é um nome mordaz, mas não deixa de ser uma identificação.
    Sinceramente acha mesmo que os representantes do mundo do trabalho não andam de braço dado com os tais ? Estamos em 2010, o 25 foi em 74, (há 36 anos) e só faltam 6 anitos para que este regime de ditadura partido/parlamentar tenha o mesmo tempo de vida que o regime de Salazar.
    Se descontar os 6 do Marcelismo, então já são tantos como os que governou o António.
    Cheira-me que o PM, deve ter pensado que era altura de voltar aos tempos da dita-dura.

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  6. Xatoo,
    Parece que [ainda] não percebeu o essencial. Independentemente das suas deambulações no terreno da luta de classes [que compreendemos, até porque lemos Marx - muito actual, diga-se de passagem], a questão central é esta: são inadmissíveis as tentativas de calar vozes incómodas. Seja o Crespo um «simpatizante do reaganismo», ou não.
    Nós estamos a falar da liberdade de expressão e você quer falar das classes e das opções decorrentes. Não lhe parece uma conversa de surdos?
    É que das duas uma, ou você não percebe o que está em jogo ou, então [admitimos que, até, inconscientemente], está a dar argumentos de «erquerda» [baixa] para o Sócrates se safar da afronta...

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