quarta-feira, 31 de março de 2010

Debates sobre a Democracia.III

Presidente condiciona passos...

Pedro Quartin Graça*

Os passos do novo líder do PSD estão condicionados. Para quem pensasse que Pedro Passos Coelho teria "luz verde" para executar a estratégia que defende para o PSD ou a moção política que resultar do próximo Congresso, desengane-se. Há quem, desde o primeiro dia deixe bem claro que pretende assegurar que o consulado de PPC esteja fortemente "vigiado", nem que isso implique, de vez, e curiosamente, o fim do actual Regime. Para as bandas de Belém, nesta República à beira de comemorar 100 anos, o valor supremo que o mais alto magistrado da Nação defende é... a "estabilidade". Ingenuamente pensei eu que o que mais interessava era a democracia, fosse ela em Monarquia ou em República. Mas há uns anos a esta parte, a democracia parece ser um dado adquirido na cabeça de alguns (atitude perigosa...) e o valor que mais alto se levanta agora é outro: a dita "estabilidade", a qual significa: paz podre, manutenção do status quo, na prática, o "deixa andar" que caracterizou as últimas décadas da jovem democracia portuguesa com os resultados que se conhecem.

É a segunda vez no passado recente que um líder partidário, curiosamente sempre do PSD, vê a sua acção condicionada por um Presidente da República. Foi o caso de Pedro Santana Lopes com Jorge Sampaio, que culminou no conhecido "golpe de Estado constitucional" que levou à dissolução da Assembleia da República e à queda do Governo e, agora, a propósito do malfadado PEC, Cavaco Silva com o novo Presidente do PSD, Pedro Passos Coelho. O Presidente pretende que PPC não trave o PEC "a bem da imagem externa do País". Ou seja, o que conta são as aparências, não interessa se a casa está ou não arrumada. Tem é de parecer que está, nem que o lixo se acumule todo debaixo dos tapetes. A reacção dos mais próximos do novo líder do PSD não se fez esperar. E estão cobertos de razão. Numa monarquia uma atitude deste tipo por parte do Chefe do Estado seria impossível. Aí "o Rei reina mas não governa" ou seja, ao Rei cabe a função de Chefe de Estado e representa a Nação, nomeadamente nas questões internacionais, o tal palco onde Cavaco pretende que tudo aparente "estar bem". É com atitudes como esta que o Regime se afunda. No que me toca fico encantado, mas que mete dó, mete. E vamos andando...


*Jurisconsulto, Presidente do Movimento Partido da Terra (MPT)
Artigo também publicado no Blog Corta-fitas

Foto:DR

Novas Farpas

A queda de um jornal
ou de um regime?
Simões Ilharco*

Não se trata da reedição da queda de um anjo, obra célebre de Camilo Castelo Branco. Longe de mim, tal pretensiosismo. Trata-se, sim, da queda de um jornal ou de um regime, de tal forma estão associados um ao outro. Falo do “Diário de Notícias”, onde trabalhei muitos anos, mas no qual, nos tempos que decorrem, não me revejo. Dele se diz, com alguma ironia, que está na Rotunda, mas não faz revoluções…

Fui saneado duas vezes: uma em 1975, por José Saramago, do PCP, e mais tarde Nobel da Literatura, o que me fez andar numa manifestação na Avenida da Liberdade a gritar o “Diário de Notícias” é do povo, não é de Moscovo; outra, em 1996, por Mário Bettencourt Resendes, do PS, o que comprovava já que, em matéria de saneamentos na comunicação social, os socialistas também têm rabos de palha e telhados de vidro. E de que maneira!

À data do 25 de Abril, o DN, em formato broadsheet, tirava 240 mil exemplares e as sobras contavam-se pelos dedos. A tiragem de hoje (números de Janeiro) ronda os 50 mil, quase cinco vezes menos, e bem há pouco, já com a actual direcção, situou-se nos 42 mil, o que constituiu o valor mais baixo da história do “Diário de Notícias”, que, como se sabe, é uma publicação centenária. O jornal i, que é um recém-nascido, apresentava, há dois meses, a mesma tiragem que o matutino da Avenida da Liberdade.

É caso para dizer que o DN caiu a pique! Afundou-se, quase com o aparato do Titanic… Sem contar com os desmandos do PREC, foi o bloco central (PS e PSD) que lhe cavou a sepultura. Nomearam para directores pessoas sem qualquer categoria profissional, que sem os partidos, ou seja, por mérito próprio, nunca teriam chegado onde chegaram – autênticos comissários políticos, alguns dos quais faziam mesmo censura, o que demonstra por A mais B que a que se faz hoje em Portugal é ainda mais insidiosa e sinistra do que a antiga. Isto porque, em primeiro lugar, surge como imprevista, e, em segundo lugar, imagine-se, é feita por colegas(!) de profissão, ao serviço dos grandes interesses políticos e económicos. Chamem-lhe pântano, lamaçal, lodo ou o que quiserem, mas a realidade (triste) tem estes contornos.

Não auguro grande futuro ao “Diário de Notícias”. Bem pelo contrário. O jornal está em queda livre, com um estilo gráfico e editorial que deixa muito a desejar, e a sua vocação situacionista rouba-lhe credibilidade. Outrora jornal de referência – até mesmo com algumas fases de grande independência que contrariaram o situacionismo, o que lhe granjeou prestígio e audiência – vira-se hoje mais para o tablóide, sem preocupações culturais. Infelizmente, não é mais do que uma publicação híbrida, ensanduichada entre o “Público” e o”Correio da Manhã”.

Apetece-me dizer em relação ao DN dos nossos dias, e talvez com mais propriedade, o que Arons de Carvalho disse de alguns noticiários da TVI: mete-me nojo!

*Jornalista


Foto: PEDRO CARDOSO

terça-feira, 30 de março de 2010

Debates sobre a Democracia.II

O texto é antigo, remonta a 2005, e foi redigido tendo em vista as Eleições Presidenciais desse ano. Pensamos, no entanto, que a génese das ideias aí defendidas revela uma flagrante actualidade e coloca no centro do debate o mesmo tipo de preocupações.
Assinado por António Pedro Dores, o documento é, paralelamente, a síntese de uma reflexão colectiva a que muitos nos entregamos.


Movimento para a IV República

Passou a ser lugar comum a noção de estarmos a viver uma crise de regime em Portugal. Todavia, não se vislumbram sinais de regeneração política, o que não pode deixar de estar nos fundamentos da acelerada ciclicidade das desistências e dos abandonos políticos, ao mais alto nível, e a persistência nos cargos de mais baixo nível, mais difíceis de escrutinar publicamente. A arrogância de quem se imagina capaz de, por si só, com a clique de amigos e com os apoios dos boys for the jobs, impor aos portugueses negócios inexplicados e, provavelmente inexplicáveis, alterna com a aparente impotência do Estado, também ela pouco transparente e muito selectiva.

A instabilidade política é, obviamente, induzida pela profunda corruptabilidade do regime. Apesar da avalancha de denúncias dos últimos anos, evidentemente, nada de essencial tem sido possível melhorar. Os partidos já sentiram necessidade de limpar as suas hostes, com evidentes dificuldades e com resultados nada claros. O sentimento de impotência não pode substituir a confiança na democracia. O sentimento de impunidade e os queixumes para saco roto – ou, pior, a perseguição dos denunciantes – corroem o orgulho que temos por Portugal, a vontade de sermos melhores portugueses, as expectativas de vidas melhores para os nossos pais e para os nossos filhos.

A alternância democrática foi capturada pelos arranjos políticos implícitos entre duas facções que parecem digladiar-se quando de facto cooperam na manutenção do estado das coisas. Sociais democratas para beneficiarem directamente dos fundos da coesão social da União Europeia, revelam-se, à direita e à esquerda, neo-liberais na distribuição desses benefícios no interior, estando Portugal com taxas de pobreza e taxas de desigualdade social das mais altas, analfabetismo crónico e iliteracia desgraçadamente única no espaço europeu, ineficiência dos processos de ensino e impedimentos organizados – e injustos – ao desenvolvimento educativo e profissional dos jovens, quando as taxas de desemprego de licenciados são enormes, num país com escassez de pessoas qualificadas. O trabalho, pela pobreza dos sistemas produtivos e da gestão de recursos humanos, ajuda a desqualificar uma mão-de-obra já de si desqualificada, num ciclo de enterra moral e cívica das potencialidades dos portugueses, que continuam a ser mais bem sucedidos lá fora do que reconhecidos no seu próprio país, para realização de uma estafada, miserável mas persistente política de exploração das vantagens competitivas do preço baixo do factor trabalho no nosso País.

Os portugueses têm razões para não acreditarem em políticos que se comportam como aristocratas ou como contabilistas. Até porque já lhes deram todos os créditos possíveis e imaginários, e vemos agora no que resultou. Não está em causa a sinceridade ou a perversidade com que sempre são desenhadas políticas que mexem com interesses. O que está em causa é a necessidade inadiável de mudar de rumo, democraticamente, o que manifestamente tarda e não parece possível com o actual regime. Há pois que ir mais fundo na exploração das potencialidades democráticas e aprender com outros povos mais experientes democraticamente como se podem ultrapassar politicamente crises de nó cego como aquelas que estamos a viver.

Procura-se quem represente e suporte a vontade dos portugueses de se mobilizarem democraticamente para as tarefas de produção de uma nova estratégia capaz de colocar o país com capacidades proactivas e inovadoras no mundo global em que estamos inseridos, em benefício dos portugueses e do bem estar para quem viva em Portugal. Essa mobilização não pode deixar de ser radicalmente crítica em relação à intolerável tolerância da cunha e da prateleira, do uso dos dinheiros públicos para distribuir pelos correligionários e pelos arrivistas colectores de financiamentos políticos, do desleixo na colecta de impostos e de organização da segurança social – que se anuncia velhacamente falida aos que dela esperavam que cumprisse o contrato que, entretanto, beneficia (escandalosamente) quem nada deveria poder esperar desse seguro social dos trabalhadores portugueses.

Pode caber à Presidência da República abrir debates e dar voz à vontade e às iniciativas de todos os portugueses, e não apenas aqueles que prometem a árvore das patacas ou agricultura biológica das revistas cor-de-rosa. Pode caber ao Presidente da Republica servir a autonomia das instituições políticas, a consonância dos seus comportamentos relativamente à vontade dos Portugueses e não aceitar quaisquer interferências do Sr. Cunha, sejam elas veiculadas por amigalhaços ou por partidos inteiros. A justiça – aquela que é produzida pelas instituições judiciais e a outra, mais difusa, gerada pelo ambiente político e pelas políticas concretas quotidianas – deve ser sistematicamente escrutinada e não apenas para efeitos mediáticos ou para entreter os telespectadores. Não faz nenhum sentido entregar a resolução dos problemas estruturais da justiça portuguesa às corporações e às personalidades que construíram e beneficiaram – e continuam a beneficiar – da injustiça que campeia descarada e impunemente. Não é aceitável que bons desempenhos profissionais sejam postos em causa por um sistema de profunda interferência política na administração do Estado, que arreda toda a possibilidade de demonstrações de mérito e, para isso mesmo, faz circular o pessoal de confiança, em alta velocidade, por todos os milhares de lugares disponíveis, tornando impossível qualquer tipo de avaliação de desempenho administrativo e político.

Pode caber ao Presidente da República trazer os portugueses a construírem o Portugal do século XXI, já que o que também está em causa, no magma da globalização e das políticas europeias, é saber o que os portugueses querem ser no futuro: os herdeiros de uma língua e cultura minoritária e folclórica para vender aos turistas da terceira idade? Ou um povo que, mais uma vez, será capaz de dar novos mundos ao mundo, de encontrar caminhos novos para a justiça social, nos quadros financeiros e demográficos que são conhecidos mas em quadros políticos e sociais que temos oportunidade de, com a nossa vontade colectiva, encontrar democraticamente. Para atingir esses objectivos é indispensável começarmos de imediato a alterar comportamentos, nomeadamente a sermos exigentes connosco próprios e não aceitarmos mais entregar os pontos a quem nos melhor garante que não nos incomodará – até porque a experiência mostra como nos enganamos frequentemente nesse juízo. Temos que exigir de nós mesmos, e em primeiro lugar às instituições, que as denúncias e as queixas que chegam à administração serão tratadas em tempo útil, conforme a lei, e de modo empenhado e sério, em vez do velho sacudir de água do capote. Para que serve votar num candidato a Presidente da República com responsabilidades na estruturação de um regime que, manifestamente, caiu da cadeira, sem lhe pedir uma avaliação específica e criteriosa do que nos trouxe a este beco? Para assistirmos ao fecho de mais saídas para o regime? Para adiarmos para amanhã o que se pode começar a fazer hoje?

Não! Não somos todos responsáveis pelo estado a que chegámos! Os que lutam por sobreviver, aqueles a quem não são reconhecidos os seus direitos e que confrontam com os esquemas kafkianos montados pelo tráfico de influências e pela corrupção, os que são humilhados por querem denunciar situações ilícitas são igualmente responsáveis, se comparados com aqueles que recebem reformas ilegítimas para que possam continuar a acumular benesses e manterem a culpa solteira? Nestes trinta e um anos de democracia, houve quem desse tudo, incluindo o bem estar pessoal e das respectivas famílias, para melhorar Portugal e também houve os que só pensaram em si mesmo, nos seus pergaminhos e nas conjuras que fossem necessárias para não terem obstáculos à afirmação das suas irresponsáveis convicções, ao ponto de o povo confundir os bem intencionados e os mal intencionados de entre os vencedores destas competições organizadas pelo Sr. Cunha.

Não! Não somos todos responsáveis pelo estado a que chegámos! Os responsáveis não podem continuar irresponsáveis.


5 Setembro 2005

António Pedro Dores


Foto: JJ LUZIA HENRIQUES

Debates sobre a Democracia

Haverá liberdade em Portugal?

António Pedro Dores*
antonio.dores@iscte.pt

Parece absurda a pergunta. Pelo menos para a grande maioria de nós que não foi incomodada por falar. Tal como no regime anterior, a maioria de nós ainda que quisesse dizer alguma coisa teria dificuldades. Por não saber como. Por falta de escolaridade, por falta de cultura, por falta de experiência de debate, por falta de liberdade, numa palavra.

E sofre-se com isso? Ou, ao contrário, é-se mais feliz por ignorar e não querer saber? Como na canção, o melhor é não nos preocuparmos porque isso só vai aumentar os problemas? Os dados comparativos sobre doenças mentais não enganam: o dobro dos portugueses sofrem desse tipo de doenças quando comparados com outras nacionalidades do sul da Europa. E são sobretudo as mulheres que sofrem de ansiedade.

Será por falta de liberdade?

A ter em conta que apenas recentemente passou a ser possível em Portugal denunciar publicamente a violência doméstica e os abusos contra crianças, pode bem-estar aqui uma parte da explicação. Sabe-se também que as mulheres em Portugal trabalham tanto como as nórdicas e são aquelas que mais trabalham, o que aparenta um contraste com o conservadorismo noutras áreas. Quer dizer: para pormos as mulheres a trabalhar, sobretudo pagando-lhes menos que os homens mas pagando mal a ambos e estimulando uma sociedade consumista, nesse campo não somos conservadores. O que é uma oportunidade para elas escaparem à dependência tradicional através do trabalho (como do estudo). Fazem-no pela calada, sem grandes alardes – porque se lembram do que aconteceu no Parque Eduardo VII, em liberdade pós-25 de Abril, à primeira manifestação feminista em Portugal: foram cercadas de homens com cio. Não o fazem sem custos, portanto. Entre os quais a discrição e sempre mais trabalho.

Provavelmente uma das causas e consequências de tal depressão é a taxa de natalidade sustentada e cronicamente abaixo da capacidade de reposição da população – que continua a somar-se, outra vez de forma dramática nos últimos anos, com a emigração. Não há quem aguente. Como dizem mais de um terço dos portugueses inquiridos, passar a integrar o reino de Espanha não seria má ideia.

No parlamento, por hesitante iniciativa do PSD, com apoio sobretudo do Bloco de Esquerda – com a oposição do PS – e por imposição dos factos (de facto a roubalheira está em fase de profissionalização oficial), dada a corrupção reinante, as tendências desreguladas para a concentração dos órgãos de comunicação social, os ataques à autonomia da classe dos jornalistas, discute-se a liberdade de imprensa. Uns dizem que o governo conspira (que haveria ele de fazer?) outros dizem que acham bem que assim seja e que isso é democrático (será que também eles conspiram?). Sobre a liberdade de expressão, nem uma palavra. Sobre a vida do povo, um manto de silêncio: sobre a falta de educação e de respeito por iniciativas populares, seja a nível autárquico onde reina o caciquismo, seja a nível político onde reina o tráfico de influências, seja nível legislativo onde mandam as “vírgulas” e proliferam as leis com alçapões, seja a nível da banca onde se digladiam seitas secretas pelo controlo das finanças e do governo, seja a nível cultural, tanto nas universidades – que continuam sem bibliotecas – como nos museus, nos teatros, na música, na literatura, na filosofia, nas escolas, a censura tem a forma de invejas, tropeções, perseguições administrativas, abusos de poder. Mas não deixa de ser esta censura que remete para o estrangeiro milhares de licenciados à procura de respeito pelo seu trabalho e pelas suas pessoas, lá onde a liberdade possa ser coisa mais sentida e reconhecida.

Portugal não sabe o que seja a liberdade. Porque das raras vezes que lutou por ela não quis morrer por isso; preferiu acomodar-se a conceitos perversos sobre o que isso seja. Liberdade não é cada um fazer o que lhe apetecer; mas também não é encolhermo-nos de cada vez que alguém mais poderoso manifesta incómodo pela nossa existência. Liberdade é cada um assumir a dignidade da sua identidade auto-determinada e auto-construída, plantada e mantida como um jardim para benefício de todos e da sociedade. Liberdade é o respeito que devemos aos outros, tal como reclamamos que nos respeitem a nós, independentemente do que cada qual entenda ser melhor para si e para todos os outros, incluindo a liberdade de lutar pelas suas convicções.

A liberdade tem consequências: o reconhecimento dos méritos e também das derrotas. Mas tem defesas: a dignidade de todos e cada um é sobretudo a defesa da dignidade alheia. Nesse país não poderia ser dito, como eu ouvi dizer aqui, que embora haja gente a viver com salários de trabalho indignos, tais salários vão ter de baixar em nome da economia.

Só a falta de liberdade explica ser pensável avançar com tal argumento. Só a falta de liberdade permitiu a sua repetição metralhada, sem reacção. Só a falta de liberdade permite dizer-se que há liberdade de expressão em Portugal.


*Sociólogo, Professor Universitário
http://iscte.pt/~apad/novosite2007/

sexta-feira, 19 de março de 2010

A violência policial continua impune

Foi hoje [ontem] a enterrar Nuno Rodrigues, mais conhecido no meio artístico como MC Snake que caiu sob as balas da PSP na madrugada de domingo para segunda-feira, por alegadamente ter “desrespeitado sinais regulamentares de paragem de uma operação stop”, segundo a versão oficial da polícia.

A morte de Nuno Rodrigues relança com uma urgência inadiável a necessidade de um debate sério sobre a violência policial. Nos últimos dez anos, foram dezenas as mortes de jovens dos bairros nas mãos da Polícia de Segurança Pública, sem que isto tenha acarretado nenhuma consequência para os criminosos.

O Estado português tem seguido a politica da avestruz, enfiando a cabeça na areia par não ver a realidade nua e crua dos rastos de mortes que a actuação das forças de segurança vai semeando nas comunidades socialmente mais marginalizadas.

Numa democracia que se preze, nenhuma autoridade, seja ela policial ou judicial pode decretar a pena de morte por desobediência! Mas foi o que aconteceu com o Nuno e já aconteceu com muitos outros jovens dos bairros pobres!

A sentença de morte do Snake e de tantos outros que já sucumbiram às balas da policia está inscrita no preconceito racista e na impunidade que grassam nas instituições em geral e, na PSP em particular. À segregação espacial, social, económica e sobretudo cidadã a que estão votados estes jovens juntam-se inaceitavelmente as frequentes execuções sumárias da polícia!

Já tivemos o Tony, o Kuku e tantos outros e, como que uma fatalidade e curiosamente são todos jovens dos bairros sociais que caíram das balas da policia!

E à cada violência policial que resulte em morte, as autoridades aparecem sempre com justificações oficiais que, além de falaciosas, são insultuosas para dignidade humana. Já ouvimos de tudo da sua boca, desde da inexperiência que foi agora invocada até, pasme-se, do desconhecimento do “ carácter letal” das armas usadas!

Os números da IGAI, ontem divulgados pela imprensa, sobre as mortes que resultam da actuação das forças de segurança não só colocam Portugal na triste lista dos países europeus com mais mortes na sequencia de perseguições policiais, como estão longe de evidenciar a dura realidade da violência policial sistema contra os jovens nos bairros! De certeza, que não constam destas macabras estáticas as mortes por espancamento em esquadras ou nas zonas menos iluminadas dos bairros e/ou por despiste após frequentes perseguições de carro.

Esta última morte, além de exigir um apuramento dos factos reais e das consequentes responsabilidades judiciais, obriga a uma resposta politica que não tem existido por parte do Estado português. O cinismo político com que o Estado português tem gerido este flagelo da violência policial exige uma mobilização de tod@s para criar os mecanismos que permitam conhecer, divulgar e fiscalizar todas as arbitrariedades cometidas pelas forças de segurança. O papel do Estado é garantir a segurança a tod@s e não se transformar num foco de insegurança para determinadas camadas sociais da sociedade, por apenas serem diferentes, como tem vindo a acontecer nos últimos anos e de que a morte do Nuno Rodrigues é a maior evidência.

SOS RACISMO

18-03-10

Vergonha!

Não mais sangue inocente! Não podemos permitir que haja cidadãos com "a cor errada" e matadores pagos por todos nós!

quinta-feira, 18 de março de 2010

Opinião

Era da vontade

António Pedro Dores*

A democracia, há quem diga, deixará aos poucos de ser possível. O argumento é: a democracia precisa de crescimento económico, de um jogo de soma positiva, de exploração acelerada do mundo e da humanidade em favor de uma sociedade que assim se poderá dar ao luxo de exercitar a liberdade. De facto, com o abrandamento do crescimento económico no Ocidente, a partir da crise do petróleo de 73, as empresas apoiadas pelos Estados Unidos desenvolveram a estratégia de globalização, que significa o alargamento da base de exploração a todo o planeta e um abandono das políticas nacionalistas de legitimação. As mesmas taxas de lucro podem suportar o crescimento da acumulação se houver mais transacções. Em tais circunstâncias, o aumento dos lucros passa a ser possível também pela negociação das deslocalizações e pelo aumento da exploração dos locais e povos mais desprotegidos da Terra. Tais lucros, todavia, não são para serem divididos socialmente: são tomados como obra de gestão de visionários iluminados e antidemocráticos, num tempo em que todos os ocidentais aspiram a ser ricos para além do possível, como se os juros à D. Branca pudessem ser pagos à casta de dirigentes bem informados e bem colocados, sem risco.

A democracia, de facto, quem não o pressente?, está decadente. Há quem confunda democracia com política. Mas esta última, estando apropriada por uma classe política corruptível, gestora de gestores, centrada nos lucros financeiros, aspirante a integrar a classe dominante global, odiando os povos que trata como públicos e embrutece com espectáculos (dos meios de comunicação até às escolas e universidades), desprezando os velhos que lhes aparecem apenas como alvos de exploração dos sistemas de saúde, é a política, dizia, que comanda globalmente os destinos da humanidade. Porque, manifestamente, se fosse apenas a economia já tudo tinha implodido.

O capitalismo, por definição, não cuida dos problemas sociais nem respeita planeta ou humanidade. É a política que o fará ou não, democraticamente ou não, no respeito dos Direitos Humanos ou não.

A seguir à II Grande Guerra os Direitos Humanos fizeram o seu curto caminho institucional em nome da dignidade humana de cada pessoa. Foi essa política exígua desenvolvida após a derrota do colonialismo, nos anos 60, que serviu de mote ao lado vencedor da Guerra Fria. A capacidade de mobilização da liberdade de iniciativa económica para organizar a globalização capitalista revelou-se uma vantagem comparativa que conquistou os próprios gestores do socialismo real, que o auto-liquidaram para correr atrás do paraíso neo-liberal, com milhões de vítimas directas.

Eufóricos com a nossa vitória de Pirro, não quisemos dar-nos conta dos custos de tal operação, nomeadamente a expansão a Leste da União Europeia. Nos dias de hoje é já claro que os poderes centrais europeus (como os norte-americanos, os primeiros a nomear a Nova Europa) preferem descartar-se do Sul – os chamados PIGS – e explorar as competências e determinação dos países de Leste.

Quais são, então, os nossos activos, em Portugal? Serão os nossos gestores de gestores nos diversos postos da administração de Bruxelas? Ou será a nossa cultura universalista? Será o nosso sistema financeiro periférico, oligárquico e corruptível? Ou será um povo treinado para compreender os ventos da história e para reconhecer o valor de terceiros? Serão as grandes obras públicas? Ou será a mobilização dos recursos em rede estabelecidos ao longo do último meio milénio por todo o mundo, organizados para nos assegurar paz?

A União Europeia respeita-nos como respeita os seus velhos. Quando tiver tempo, logo tomará alguma atenção. Nós próprios estamos a seguir essa via de isolamento social dos indivíduos em busca de rendimentos. Em Portugal as políticas de habitação obrigam à fixação das pessoas longe dos seus locais de trabalho, gastando parte importante do dia em transportes para animar esse sector e desvalorizar todos os outros – porque as pessoas cansadas rendem menos que as pessoas despertas. Toda a vida social é substituída pelas rádios dos automóveis e pelas televisões das casas. O envelhecimento da população é alarmante, bem como a intolerância crescente, bem espelhada nas políticas de segurança, justiça, imigração e pobreza.

Esta é uma sociedade em vias de suicídio, dadas as políticas anti-sociais em vigência, nomeadamente as de destruição do Estado Social – por alegadamente não haver alternativa que não seja a de organizar a substituição massiva dos jovens que não existem por imigrantes, a que alegadamente a população resistiria por efeito da xenofobia. A demografia, efectivamente, é um dos busílis da política actual: as instituições desenvolvem políticas contra a xenofobia e o racismo, como contra a pobreza, como políticas “sociais” para minimizar (e mascarar) as políticas dominantes de exclusão social, de preparação para e provocação da guerra social inter-étnica global, interna e exterior por igual, nos bairros classificados como problemáticos ou contra países infiéis. São, de facto, políticas policiais contra os jovens do sexo masculino que sofrem mais directamente as contradições das políticas vigentes (por exemplo, sabendo ser as suas vidas destinadas a serem piores do que a de seus pais e ao serviço dos mesmos patrões) e que podem ter forças para desestabilizar os poderes instituídos. Tudo se passa como se a consciência da própria ganância antecipasse a consciência dos excluídos da ilegitimidade moral e política das práticas de gestão dominantes, que chegam a enojar os próprios gestores, como aqueles que apareceram em 2008 a reclamar contra a imoralidade de Wall Street e das práticas bancárias. Muitos desses, com apoios políticos fortes, mantém hoje as mesmas práticas que condenaram.

Tal como, há mais de 500 anos, Portugal foi capaz de fazer reverter as dinâmicas da guerra santa da altura a favor das Descobertas, poderemos também assumir hoje o legado dos nossos antepassados e viver da política e do Mundo. Não é esse o nosso destino, mas antes não apenas uma mais valia que herdámos como também a melhor janela de oportunidade para viver melhor, connosco e com o mundo. Não é uma proposta para santos, pois as misérias humanas foram testemunhadas por portugueses provavelmente mais do que por qualquer outro povo no mundo. É um trabalho de tecedura para o qual poderemos levar a estranha e ambígua bandeira dos Direitos Humanos, sinal em vias de ser renegado pelo Ocidente, que o usou também contra os interesses estratégicos de Portugal (e Brasil) durante o século XIX, aquando da substituição da escravatura pelo salariato.

Direitos Humanos em Angola, Guiné. Moçambique, S.Tomé e Príncipe, Timor e no Brasil podem bem ser marcas da presença portuguesa não contra mas a favor dos povos, intransigentemente contra os gestores de gestores que se tornaram a classe política dominante. Com tais países será possível refazer como melhor se entender a nossa demografia, fraternalmente. E acompanhar (com a mesma fraternidade) a emergência dos países emergentes, proporcionando-lhes a possibilidade de apoiarem uma experiência política democrática adaptada aos tempos – construindo um jogo de soma positiva para Portugal que os “mercados” estão prontos a negar, como se tem visto.

Uma tal perspectiva não é compatível com a política da mentira ou sequer da política “para inglês ver” que foi a sua predecessora. Precisamos de políticas de convicção, testadas democraticamente e apoiadas em princípios de igualitarismo, de serviço público (na administração, no terceiro sector e no sector privado) e no liberalismo judicial. Essas, sim, farão a diferença, porque serão mobilizadoras dos portugueses e dos seus amigos para novos horizontes de convivialidade mais próximos dos ideias humanitários do que a derrocada da civilização ocidental no Ocidente e a sua réplica exploradora na China e nos países emergentes faz antever.

Sociólogo > Professor Universitário

Explicação de uma ausência

Razões profissionais têm-me impedido de animar este blogue, como seria necessário e o respeito pelo vasto núcleo de leitores e seguidores fiéis exigiria.

Resolvidas essas questões de natureza mais pessoal - mas fundamentais por razão de sobrevivência material -, espero a partir de hoje injectar estas páginas com novos textos, novas opiniões, novos edebates.

António Manuel Pinho


Pela Liberdade de Imprensa

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CONTRA A MORDAÇA E A CRIMINALIZAÇÃO DE JORNALISTAS. A LIBERDADE NÃO SE DISCUTE!

Jornal PRIVADO, Informação Pública

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