quinta-feira, 29 de abril de 2010

Nova Esquerda

Algo começa a mexer na política nacional. No apodrecimento do regime, nos cacos do parlamentarismo meramente retórico e no pântano da governação autoritária dos interesses e dos negócios, começam a germinar novas ideias e novos projectos de acção política, rompendo com o centrão dos interesses, afirmando uma nova esperança na capacidade criativa dos cidadãos e na energia larvar da sociedade.
O documento que reproduzimos dá vez e voz a uma Nova Esquerda de combate e de princípios, contra a velha esquerda gorda e acomodada aos pequenos poderes (e prazeres) da política.


BASES POLÍTICAS E PLANO DE ACÇÃO
DECLARAÇÃO DE ALMEIRIM

O sentimento dominante actualmente entre os portugueses é que Portugal é um país à deriva, sem rumo, que está á beira da bancarrota, não apenas financeira mas também social e política, como comprovam o contínuo aumento da pobreza, das desigualdades sociais e da desesperança.

A Nova Esquerda identifica as causas, os responsáveis e as consequências de uma tal situação do seguinte modo:

1. O Estado foi capturado pelos interesses das oligarquias dominantes com o consentimento de Governos conduzidos por políticos medíocres, incompetentes, sem convicções e que faltam à verdade.

2. A corrupção aumentou ao longo das últimas três décadas em paralelo com o monopólio do poder exercido pelas Direcções do Partido Socialista e do Partido Social-Democrata, monopólio esse que tem promovido e protegido redes de interesses que se alimentam da promiscuidade entre as funções do Estado, a política e os negócios privados.

3. A economia tem sido asfixiada pelo poder arrogante dos bancos, pela especulação bolsista, pela prevalência dos interesses de grandes empresas cujos interesses estão representados nos gabinetes do Estado, pela desenfreada exploração e as discriminações de muitos trabalhadores e trabalhadoras, os baixos salários, os congelamentos de salários, os aumentos de impostos, o desrespeito pelo Estado de Direito.

4. As relações laborais, o mercado do trabalho e do emprego passaram a reger-se pela lei da precariedade e os jovens, tal como aconteceu na fase final do Estado Novo, porque não têm hoje futuro dentro das fronteiras acanhadas, medíocres e madrastas de Portugal, são empurrados para emigração.

5. Portugal é hoje, no plano internacional, um país refém das agências de rating, da especulação financeira internacional e do directório dos países que mandam na Comunidade Europeia, com a Alemanha à cabeça.

6. As pessoas estão descontentes, protestam entre si, insultam, dizem mal, mas ficam em casa, sentadas no sofá a olharem, cada vez mais cansadas e indignadas, as quotidianas novelas de mais um escândalo, encenadas nos telejornais.

7. Apesar de a sociedade estar a ferver em surdina, a ideia de democracia está em perda e fala-se de golpes, de pronunciamentos militares e crescem embrionárias ideias populistas.

8. Em resultado da acção dos Governos do PS e do PSD, o socialismo e a social-democracia tornaram-se em Portugal sinónimo de políticas neo-liberais, anti-sociais e de direita.

9. Existe um descrédito generalizado dos partidos, o que é comprovado em particular pelas elevadas percentagens de eleitores que deixaram de votar ou que votam branco ou nulo e também pela constatação de que, nas últimas eleições autárquicas, se apresentaram dez mil listas de candidaturas independentes.

Face a esta situação, preocupante e dramática pelas suas repercussões sociais e pelas ameaças que coloca ao futuro do país, os militantes da Nova Esquerda entendem que é necessário e urgente apostar em novos caminhos, novas soluções, novas políticas, novas ideias, e projectos que constituam alternativas à governação de direita que tem dominado o país há mais de trinta anos. Novas ideias que mobilizem e motivem as pessoas para a cidadania e a intervenção cívica e política, que restituam a dignidade à acção política, a favor da justiça e da solidariedade, na defesa dos legítimos direitos sociais principalmente das pessoas e das famílias mais vulneráveis, na condenação da corrupção e dos corruptos, dos oligarcas e dos políticos incompetentes, na defesa do Estado de Direito e da Democracia.

Reunidos em Assembleia no dia 17 de Abril de 2010 em Almeirim, os Militantes da Nova Esquerda - Movimento por uma Nova Sociedade aprovaram as seguintes Bases Políticas e Programa de Acção:

I
Uma Nova Esquerda para uma Nova Sociedade

Para dignificar a democracia e restituir a esperança aos portugueses, entendemos que é preciso lançar os fundamentos de uma nova sociedade.

Uma nova sociedade solidária, submetida aos valores supremos da justiça e da liberdade, que saiba valorizar os méritos de todos quantos contribuem para o progresso social e que seja capaz de prevenir, e em última instância punir, crimes graves, uma sociedade criativa na cultura, na educação, nas artes e na economia, uma sociedade ecológica que saiba preservar e valorizar os seus recursos e a diversidade da natureza, que combata o desperdício e promova o consumo inteligente e adequado ao desenvolvimento justo e equilibrado dos cidadãos num quadro de sustentabilidade económica e ecológica, uma sociedade que valorize a felicidade individual, uma sociedade que invista no conhecimento e na ciência.

Uma nova sociedade baseada na cidadania universal, igualitária e sem discriminações, que assegure a igualdade de oportunidades, a igualdade perante a lei e a justiça, o direito ao emprego e a salários dignos, que não tolere o stress, o assédio, a discriminação e os abusos de poder no trabalho e, de um modo geral, se bata pela realização dos Direitos Humanos.

Uma nova sociedade que reconheça de forma concreta o direito de cada cidadão a ter uma família, a procriar, a ter filhos e a poder educá-los para a cidadania e a plena realização pessoal.
Para que ela exista, esta nova sociedade precisa que se reabilite e se dignifique a política, dando protagonismo à voz dos cidadãos e das organizações de intervenção cívica e moralizando a prática política no interior dos partidos. Precisa que se democratize a participação cidadã dentro e fora dos partidos, que se reforme o Estado e o sistema político-partidário. Exige que os partidos cumpram as promessas que defendem nos actos eleitorais, que governem de acordo com os programas sufragados pelos eleitores, que governem ao serviço do bem público e do interesse geral.

É totalmente incompatível com essa nova sociedade que qualquer partido que se apresente como sendo de esquerda conduza a sua acção no Governo de acordo com a ortodoxia neo-liberal, monetarista e anti-social, a qual constitui a cartilha dos partidos de direita. Na situação actual são completamente condenáveis - e o total descrédito da velha esquerda socialista em Portugal comprova isso – as políticas praticadas pelos Governos do Partido Socialista, as quais conduziram o país a uma gravíssima crise que, para além de financeira, é social, moral e económica.

A obsessão pelo deficit que castigou principalmente os contribuintes assalariados, fez estagnar a economia e promoveu o desemprego, afastou os imigrantes e causou nova onda de emigração apenas comparável à dos anos 60. O código do trabalho aumentou a precariedade no emprego e retirou direitos aos trabalhadores para contentar os interesses míopes do patronato e dos grandes grupos financeiros e económicos. As poderosas teias da corrupção ficaram à rédea solta. O descrédito e a inoperância da justiça no combate à corrupção e aos desmandos dos mais poderosos tornou-se endémico. A grave crise do ensino público e a instabilidade nas escolas, a guerra aos professores e a outros importantes grupos profissionais, o aumento da idade da reforma e a diminuição das pensões, são episódios da interminável guerra social de que resultaram pelo menos dois milhões de pobres, milhares e milhares de desempregados, muitos sem direito a subsídio de desemprego, milhares de idosos, cujas pensões mínimas e miseráveis aumentaram abaixo da inflação e que agora estão praticamente congeladas, milhares de jovens que não conseguem um emprego estável e com direitos, milhares de trabalhadores despedidos sem justa causa ou porque os patrões resolveram fechar a empresa para, de seguida, abrirem noutro lugar um negócio mais lucrativo, manobras a favor da privatização de serviços públicos, complacência face às máfias da imigração e à exploração do trabalho clandestino por patrões sem escrúpulos. Eis apenas algumas das marcas indeléveis da herança que o Partido Socialista trouxe ao país que governa, sem interrupção, há mais de 5 anos.

Sendo tal herança a negação dos ideais, das referências e dos valores históricos que situavam o socialismo e a social-democracia à esquerda, resulta óbvio que quem tem dirigido o Partido Socialista levou este partido a romper com a esquerda, fazendo-o alinhar incontestavelmente entre as forças de direita.

Temos divergências, mas também temos algumas concordâncias programáticas e ideológicas com a esquerda representada em Portugal pelo Partido Comunista e pelo Bloco de Esquerda. Partilhamos com a maioria dos militantes destas organizações o ideal de justiça social e que as políticas do Estado devem influenciar uma distribuição mais equitativa da riqueza. Partilhamos ainda com eles a sua crítica do império do mercado e do primado dos valores privados sobre os interesses da comunidade.

Discordamos, contudo, da perspectiva dessas organizações de que as metas políticas e os ideais da esquerda possam ser alcançados através de um partido único, de um Estado centralizador e de uma economia estatizada.

Criticamos a sua não assimilação autocrítica das experiências recentes do falhanço do modelo politico e económico que defendem . Quer a antiga URSS e posteriormente a China evoluíram para sociedades autocráticas e ditatoriais, exploradoras das classes populares por uma oligarquia político-partidária que se separou da sociedade.

Defendemos que não é ao Estado que compete produzir bens, mas tal não o redime no seu papel em assegurar liberdade e justiça, educação, saúde e segurança para todos e solidariedade para com as pessoas e as famílias em dificuldade.

Porém, cumprir tal papel só será exequível se o Estado dispuser de meios de comunicação social próprios, de um banco central (Caixa Geral de Depósitos) vocacionado principalmente para financiar a economia social do terceiro sector e as pequenas e as médias empresas, se o Estado tiver o controlo de recursos essenciais e estratégicos como a água, a energia e as redes viárias. Entendemos também que é da estrita responsabilidade do Estado regular e supervisionar as actividades das entidades financeiras e do sector privado e combater de forma enérgica e eficaz as investidas do capitalismo neo-liberal.

O Serviço Público que defendemos deverá ser eficaz e estar sob o controlo permanente da sociedade civil a todos os níveis. Deve ser estruturado e dirigido por forma a que seja banido o clientelismo e o controlo pelas oligarquias partidárias. A gestão de cada organismo deverá ser da responsabilidade de gestores que sejam providos nas suas funções através de concursos públicos transparentes, com júris acima de qualquer suspeita capazes de julgar de maneira imparcial cada candidato tendo em conta a sua competência e qualificações e provas dadas em relação ao cumprimento das exigências e das finalidades do serviço público.

A qualidade de cada serviço deverá estar em permanência sujeita ao escrutínio público e à avaliação dos cidadãos e, quando desvirtuada a qualquer nível que seja, deverá ser de pronto criticada, investigada e corrigida.

O desenvolvimento económico deve ser social e ecológico, deve subordinar-se aos direitos sociais e à preservação dos recursos naturais.

Uma forte consciência social e uma nova consciência ecológica não podem tolerar a lógica do desperdício e os excessos do consumismo e as escandalosas desigualdades entre quem tudo tem e quem nada tem.

Condenamos e rejeitamos o aumento brutal das diferenças e das desigualdades salariais. Defendemos uma nova ordem fiscal.

O principal direito social é o direito ao trabalho, o mais básico e estruturante. O emprego com plenos direitos e o pleno emprego devem ser os principais objectivos económicos a alcançar por uma política de esquerda.

O novo modelo de desenvolvimento que defendemos deverá subordinar-se ao direito ao trabalho e ao pleno emprego, mas também ao direito ao lazer em todas as idades, e ao direito à formação e à cultura, à felicidade e à realização pessoais ao longo do ciclo de vida de cada um, na infância, na adolescência e na juventude, na idade adulta e na idade sénior.

Pleno emprego e trabalho para todos são exigências essenciais que implicam a partilha do trabalho e trabalhar menos horas.

O desenvolvimento económico terá que ser mais igualitário, mais justo, mais prudente, mais racional e mais preocupado com o futuro da Humanidade. A defesa desse futuro implica o fim do modelo económico capitalista.

O capitalismo na sua fase actual atingiu uma fronteira para além da qual só existe um abismo suicida que poderá arrastar a Humanidade para uma guerra global.

Por isso, tem que ser travada definitivamente a engrenagem que assenta na exploração, sem quaisquer limites éticos ou considerações sociais e ecológicas, dos recursos naturais e da força de trabalho. Uma engrenagem determinada cegamente pela ambição paranóica do crescimento ilimitado, dos lucros sem fim e do poder absoluto do dinheiro.

Para os capitalistas dominantes os pobres não existem, os trabalhadores são descartáveis. Ora, o direito de propriedade não é um direito de vida e de morte, é um direito com deveres para com a sociedade, incluindo deveres de solidariedade para quem trabalha e para quem precisa.

No novo modelo de desenvolvimento que defendemos, o terceiro sector livre das peias que hoje o desfiguram, com capacidade de iniciativa e inovação, deverá desempenhar uma função crucial.

Entre o sector público, que deve ser regulado pelas instituições democráticas e o sector privado, que deve ser regulado pelo mercado e pelas leis da República, o terceiro sector pode ocupar-se de uma multiplicidade de actividades úteis à sociedade e à coesão social, que não se enquadram nem nas lógicas estatais nem nas regras mercantis, assim estejam reunidas as condições estruturais propícias à autonomia do sector e das entidades socioeconómicas que o compõem.
A economia do terceiro sector é uma economia solidária, social, promove o emprego, a inserção profissional dos jovens, promove a integração socioeconómica dos excluídos e deve orientar-se para o bem-estar das famílias e para organizar a herança patrimonial, tanto ecológica como social e edificada, para perspectivar um futuro confortável para as novas gerações.

O terceiro sector tende para a autogestão, para a igualdade e para uma relação atenta e interessada com o ambiente. Nele podem integrar-se cooperativas de produção, cooperativas de distribuição associadas a produtores e a cooperativas de consumo, cooperativas de ensino, culturais e artísticas, associações sociais.
O terceiro sector promove também a auto-organização dos produtores em empresas sem fins lucrativos, quer sejam iniciativas de criação de auto-emprego ou empresas que sucedam a empresas privadas em processo de falência.

Nos casos de empresas em processo de falência, deve ser reconhecida legitimidade aos respectivos trabalhadores para convocarem a intervenção do Estado com vista à transferência dessas empresas para um regime de propriedade social, sendo simultaneamente avaliada a viabilidade económica do projecto que apresentam para salvaguardar os postos de trabalho, quer seja no sector de produção em que a empresa funcionava, quer seja em nova área.

Com vista à reconversão de empresas em falência ou à criação de novas empresas, a funcionarem em regime de economia solidária, os produtores interessados deverão apresentar propostas e estudos de viabilidade, sendo nessa tarefa apoiados por universidades ou por politécnicos, por serviços técnicos do Estado ou por associações devidamente acreditadas e apoiadas pelo Estado.

Os três sectores podem conviver e até cooperar, a bem do desenvolvimento e da prosperidade social e económica. O sector público e o terceiro sector estão naturalmente vocacionados para actividades de carácter colectivo e solidário. Na medida em que o usufruto da propriedade privada deve tender para assumir valor social, também o sector privado deve reger-se por finalidades solidárias e a actividade empresarial deve ser devidamente avaliada e recompensada, quando for caso disso, em função dos seus contributos e práticas sociais.

Queremos uma economia social de mercado.

Seremos uma esquerda pacifista, uma esquerda que, seguindo o exemplo de Jean Jaurès, defende a paz contra a guerra, uma esquerda contra a violência e contra o terrorismo e que, na esteira do Mahatma Ghandi, considera legítimo o direito à desobediência civil e à resistência pacífica contra os abusos do poder e as injustiças, e na luta por causas públicas relevantes.

Uma esquerda virada para o futuro, capaz de avaliar de maneira crítica o legado histórico das diferentes esquerdas, sem que isso implique reavivar velhas querelas. Virada para o futuro, mas mantendo e valorizando a continuidade dos valores políticos de esquerda e os seus contributos na luta pelo progresso da Humanidade.

Seremos um movimento que pretende ser uma plataforma, um lugar de acolhimento de todas as correntes de pensamento empenhadas na renovação do pensamento e da praxis de esquerda, do progresso social, da solidariedade e da democracia. Criaremos uma estrutura capaz de acolher todos os que se revejam na necessidade de se resgatar a esquerda e a democracia do neo-liberalismo e da corrupção, independentemente das suas ideias políticas mais específicas. Capaz de reinventar a esquerda pela nova sociedade com que sonhamos.

Uma esquerda que dará protagonismo às mulheres, aos jovens e aos seniores, tolerante, aberta à sociedade, um movimento construído a partir do que é local, que privilegiará a vida autárquica e os orçamentos participativos, que defenderá o associativismo autónomo, que conduzirá a sua acção de maneira atenta e à escuta da sociedade, em colaboração com grupos de cidadãos, associações cívicas, sindicatos e empresas do terceiro sector.

Para que a Nova Esquerda - Movimento por uma Nova Sociedade que pretendemos construir seja socialmente activa e assuma um lugar proeminente na comunidade política, impõe-se que ela se transforme em partido. Para a concretização desse objectivo, foi decidido organizar uma Convenção Nacional.

II
Convenção Nacional da Nova Esquerda
- Movimento por uma Nova Sociedade

A Assembleia aprovou as seguintes medidas relativas à organização de uma Convenção Nacional com vista à fundação do partido Nova Esquerda - Movimento por uma Nova Sociedade:

1. A I Convenção do Movimento realizar-se-á, se possível, até finais de Outubro de 2010, quando estiverem criadas as condições políticas e logísticas necessárias. A data e o local, a constituição da Comissão Organizadora, a ordem de trabalhos e o regulamento da Convenção serão da responsabilidade do órgão directivo da NE - MNS. Da ordem de trabalhos deverão constar obrigatoriamente a aprovação das Bases Programáticas e dos Estatutos.

2. Até à realização da Convenção, a NE - MNS incentivará a constituição de núcleos locais e temáticos aptos a aprofundar e a divulgar os objectivos da NE e a recolher adesões e assinaturas com vista à legalização futura do partido.

3. O órgão directivo deverá, em articulação com os núcleos, organizar debates com convidados, festas e sessões de esclarecimento junto de aderentes ou simpatizantes. Deverão ser constituídos grupos de trabalho dedicados à discussão do programa e dos estatutos do futuro partido. Será criada no site da NE – MNS uma página dedicada a estes debates e a contributos individuais ou de grupo.

4. A Assembleia propõe à reflexão dos militantes da NE, com vista à elaboração de propostas à Convenção e à dinamização do Movimento, os seguintes temas de reflexão:

● Economia solidária e ecológica, livre iniciativa, criação e distribuição de riqueza

● Pobreza, desigualdades e discriminações sociais

● Reforma do Estado, da Justiça e do sistema político-partidário, erradicação da corrupção

● Papel do Estado, investimento e serviços públicos

● Igualdade de oportunidades, escolas públicas e sistema de ensino

● Equidade territorial, humanização das cidades e desenvolvimento do interior

● Políticas do ciclo de vida, família, educação, formação, trabalho, saúde, reformas e

● Avaliação do que é hoje a Comunidade Europeia e qual a sua viabilidade, utilidade e futuro políticos

● Defesa de comunidades locais, nacionais e internacionais, promotoras da resolução dos diferendos pela negociação e pelas instâncias do Direito internacional, contra a guerra e as ditaduras

● Posição de Portugal e da Europa no contexto da globalização

● Análise e caracterização da forças politicas, ideológicas e partidárias em Portugal e politica de alianças da NE

● Como refundar a Esquerda e mudar as mentalidades e a praxis políticas

Almeirim, 17 Abril 2010

A Assembleia de Militantes da Nova Esquerda
– Movimento para uma Nova Sociedade
www.novaesquerda.org

terça-feira, 27 de abril de 2010

Património

Em plena Lisboa,
a cair aos bocados!*

por Pedro Quartin Graça

Em Campolide, paredes meias com a Universidade Nova, em pleno centro da capital, uma igreja cai aos bocados desde há anos perante a mais impune cumplicidade do Estado português...

Basta ir ao fundo da Rua de Campolide, lado descendente, para avistar uma igreja, aparentemente "composta", classificada pelo IPPAR em 1993 e ainda propriedade do Estado Português, mas que se encontra votada ao mais completo abandono. Vista mais de perto, os acessos à mesma são uma lástima e o aspecto do monumento um verdadeiro nojo.

No passado dia 7 de Março o Provedor de Justiça Alfredo José de Sousa defendeu que a Igreja de Santo António de Campolide, é este o seu nome, deve ser entregue ainda antes de se assinalar um século sobre o confisco dos bens eclesiásticos pela República, a 08 de outubro de 1910. E mais acrescentou: "Embora a Direcção Geral do Tesouro e das Finanças tenha reduzido o valor da proposta de venda de 260 000 euros para 233 000 euros, é difícil admitir que se pague por um imóvel confiscado que apresenta um estado de conservação incompatível com a segurança de pessoas e bens e com a classificação por interesse artístico". Ficamos à espera que o Estado, ao menos desta vez, demonstre ser uma pessoa de bem.

* Também publicado no Blog "Corta-Fitas"

Foto: DR

terça-feira, 13 de abril de 2010

«Lápis Azul» ataca na blogosfera?

Eles andam aí...

Durante a tarde de hoje, sensivelmente entre as 16h50 e as 18h50, este blogue - por razões que desconheço mas que posso imaginar - esteve indisponível.

Sempre que alguém procurava aceder ao link, aparecia o seguinte aviso:

«O blogue foi removido
Lamentamos, mas o blogue em jornalprivado.blogspot.com foi removido. Este endereço não é válido para blogues novos.»

Sem querer entrar em conjecturas conspirativas, direi apenas que o incidente é estranho e preocupante. E, tendo recorrido a amigos que dominam o meio melhor que eu, foi unânime a consideração em «não haver explicação plausível»...

Os «coronéis» da blogosfera, como os da censura fascista, andam por aí - ao que me dizem. E recomendam-me «cuidados»...

Fica o «aviso à navegação»!
António Manuel Pinho

Sahara Ocidental

Aminatu Haidar
pede ao governo de Espanha que siga o exemplo de Portugal

A activista saharaui Aminatu Haidar pediu este Sábado ao Governo de José Luis Rodríguez Zapatero que rectifique e exerça a sua responsabilidade "histórica, jurídica e moral" para com o povo saharaui, tal como fez Portugal com Timor-Leste.

Haidar fez uma intervenção durante a tarde de Sábado no recinto desportivo de La Almudena da Universidade Complutense de Madrid onde, desde o dia 15 de Março, se realiza um acampamento a favor de um Sahara livre sob o lema "35 anos de esquecimento. 35 dias de ruído", acção convocada por estudantes desse campus universitário e pela Coordenadora Estatal de Associações Solidárias com o Sahara.

Durante o colóquio, e após ter feito uma intervenção sobre a situação do Sahara Ocidental, Haidar afirmou considerar necessário exercer "pressão" sobre o Governo espanhol para que rectifique o erro que cometeu com os acordos de Madrid sobre o Sahara Ocidental e siga o exemplo de Portugal, que "se posicionou a favor de Timor-Leste".

No mesmo sentido se pronunciou a advogada de Aminatu Haidar, Inés Miranda, a qual afirmou que o Governo de José Luiz Zapatero "não está à altura da resposta que lhe é exigida pela sociedade civil".

Aminatu alertou para a "nova estratégia" Governo de Mohamed VI de "armar" os colonos marroquinos, o que, na sua opinião, pode dar lugar a confrontos sangrentos entre saharauis e marroquinos e, inclusive, a "massacres" como ocorreu em Timor-Leste antes da independência.



Despacho da agência noticiosa SPS
Divulgado pela Associação de Amizade Portugal-Sahara Ocidental


Foto: SPS

sábado, 10 de abril de 2010

Alerta!


Autorizaram a ocupação
de Portugal?
- Fonte: PHI (Politische Hintergrundinformationen)
de 26.2.2010, pág. 60 -

Existe um EXÉRCITO SECRETO EUROPEU, que também pode ser chamado de FORÇA SECRETA POLICIAL DE INTERVENÇÃO PARA O ESMAGAMENTO DE REVOLTAS NA EUROPA.

Já se encontra dentro da União Europeia, porém apenas muito poucos sabem disso.

A força possui os mais amplos direitos, tem de momento 3.000 homens e responde pelo nome de “EURO GENDFOR (EUROPEAN GENDARMERIE FORCE)”, ou seja, TROPA DE POLÍCIA EUROPEIA. O seu comando encontra-se em Vicenza, na Itália, longe do Centro da UE.

Quem deu vida a este projecto foi a Ministra da Defesa Francesa, Alliot-Marie, com o objectivo de mais facilmente esmagar levantamentos populares, como os que têm surgido frequentemente em cidades francesas.

Esta força, já existente, pode agora ser empregue por toda a União Europeia, anulando os direitos nacionais e as soberanias dos Estados Membros!

O Tratado de Velsen (Holanda), decidiu de forma inequívoca, que vai ser um CONSELHO DE GUERRA, que vai decidir sobre a sua actuação. Este conselho compõe-se dos Ministérios de Defesa e de Segurança dos países membros da UE, inclusivamente do país onde vai ser aplicado.

Aos olhos dos observadores trata-se de uma clara manifestação de um DIREITO DE OCUPAÇÃO DA EUROPA. Porque, desde que tenha sido decidido por unidades da EURO GENDFOR a ocupação de edifícios e regiões, ficam estas debaixo da sua alçada, já não podendo sequer ser visitadas pelos organismos oficiais do país a que territorialmente pertencem. De facto, existe assim um DIREITO DE OCUPAÇÃO EUROPEU. Porém, a situação pode vir a piorar ainda mais.

A EURO GENDFOR não possui apenas os direitos policiais, mas também a competência sobre os serviços secretos, e, pode, em estreita colaboração com forças militares, restabelecer a lei e a ordem nas zonas consideradas convenientes. Em caso de necessidade, deve esta tropa possuir todos os direitos e acessos a todos os meios considerados necessários, para executar o respectivo mandato.

Graças à EURO GENDFOR encontram-se os governos europeus à vontade. Desta forma podem ordenar o abrir fogo contra as próprias populações em caso de demonstrações de massas, colocar regiões inteiras sobre quarentena militar e prender os principais cabecilhas, sem ter de chamar militares, ou polícias, da sua própria nação, visto existir o perigo destes se solidarizarem com os revoltosos.

A EURO GENDFOR, por sua vez, graças às suas excepcionais atribuições de direitos civis e militares, não pode ser responsabilizada por ninguém.

Este cenário, que parece incrível, tornou-se agora possível através da entrada em vigor do TRATADO DE LISBOA, que não é mais do que a Constituição da UE sob novo título.



http://www.grifo.com.pt/

Novas Farpas

Cavaco Silva
- um velho do Restelo


Simões Ilharco

Costumo dizer que alguns dos nossos políticos são os piores da Europa. E Cavaco Silva, que Passos Coelho, no congresso do PSD, desafiou a recandidatar-se, é bem um exemplo vivo do que afirmo, ao ponto de o considerar um velho do Restelo. Explico porquê: quando surgem propostas, oriundas deste Governo, mais avançadas para o País – que é, aliás, o que Portugal precisa para se desenvolver e modernizar –, o actual PR opõe-se. Foi assim com as Uniões de Facto, o casamento gay, o TGV, o novo aeroporto de Lisboa, as novas auto-estradas, etc…


Por suprema ironia, Cavaco Silva, quando era primeiro-ministro, passava a vida a falar das forças do bloqueio e ele mesmo é, agora, o grande bloqueio ao progresso e à modernidade. Mas que contradição insanável professor Cavaco Silva! Como diz o adágio popular, pela boca morre o peixe…

A obsessão do Presidente da República pelos números, pelo endividamento, que era extensiva a Manuela Ferreira Leite, quando o PSD tem mais dívidas à banca do que todos os outros partidos juntos, já fez adiar duas linhas do TGV – felizmente que o trajecto Lisboa-Madrid mantém-se dentro dos prazos previstos – e remeteu para as calendas gregas o novo aeroporto de Lisboa.

Se fosse sempre esta lógica de raciocínio a imperar no nosso país, nunca se teria feito, por exemplo, a Expo’98 (ainda me lembro do fabuloso dueto de José Carreras com Teresa Salgueiro, a quem chamava madredeusa), o Euro’2004 (que magnífica realização!) e a Ponte Vasco da Gama (quem duvida da sua utilidade?).
O País necessita das grandes obras, sejam ou não faraónicas, como dizem (mal) os seus detractores, como carecia, do mesmo modo, de uma revolução nos costumes, bem urdida, aliás, pelo PS de Sócrates. Ignorar estas realidades – ou pior do que isso, contrariá-las – é revelar uma mentalidade conservadora e retrógrada imprópria do século em que vivemos.

Sabe uma coisa, professor Cavaco Silva? Portugal precisa de gente progressista. Não é o seu caso. Afastá-lo de Belém, deverá ser a grande prioridade política de todos os democratas portugueses.

Foto: PEDRO CARDOSO

sexta-feira, 9 de abril de 2010

Código de Execução de Penas

Oportunismo populista
e (falta de) ética

O novo código de execução de penas está aprovado faz vários meses. Apenas agora, Abril de 2010, entra em vigor. Seria natural que apanhasse de surpresa as pessoas menos informadas. Mas os sindicatos do ministério público, dos polícias e o CDS/PP também foram apanhados de surpresa? Ou querem apenas fazer chicana política?


Portugal, infelizmente, não tem uma tradição forte na defesa dos direitos dos arguidos. Há quem pense e diga não haver em Portugal respeito pelo Estado de Direito. Há mesmo quem tenha declarado serem os tribunais onde mais se ofendem os direitos humanos dos cidadãos. Todos temos de concordar, por outro lado, ser a justiça – incluindo o desrespeito normalizado pelos direitos de quem esteja implicado em casos judiciais – um dos maiores e mais importantes obstáculos ao desenvolvimento do país.

Fazer chicana política com a justiça – neste caso com o código de execução de penas – é crime contra a necessidade de se dar a volta a este óbice ao nosso bem-estar, ao prestígio do nosso país e da nossa cultura. É intolerável vir para a comunicação gritar que 6 anos de prisão por um crime de sangue (um quarto da pena máxima) é pouco. Que é um desrespeito pelas vítimas.

É pouco para quê? É pouco para quem?

O sistema de penas de prisão proporcionais aos crimes cometidos, sob apreciação de um juiz independente, não resolve o problema da emergência de criminalidade nas sociedades. (De facto acontece aumentar o crime e diminuir o número de presos, como acontece actualmente em Portugal, como acontece diminuir o crime e aumentar o número de prisioneiros, como aconteceu durante os anos 90 em Portugal.) Mas foi o estado a que foi possível chegar, através de experiências milenares, para fazer justiça através do direito, segundo um modelo ocidental adoptado universalmente por todas as civilizações.

A justiça do Estado não substitui o sofrimento das sociedades no dirimir dos crimes a que estas estão sujeitas. A maioria dos crimes cometidos – sejam eles os das cifras negras da criminalidade, como a criminalidade não denunciada ou a criminalidade não condenada após tratamento institucional, sejam eles os crimes de colarinho branco, sobretudo os perpetrados pelos amigos e parceiros de negócios das classes dominantes – são sofridos, aguentados e curados pelas sociedades, à margem do Estado, quantas vezes sob pressão do Estado para evitar queixas e eventuais escândalos. Sofrem, como todos sabem bem, sobretudo mulheres e crianças. Na guerra ou nos abusos sexuais.

O novo código do processo penal é uma reacção do Estado a uma situação calamitosa vivida em Portugal nos anos 90, quando o número de óbitos e doentes entre os presos atingiu picos várias vezes superiores à média da União Europeia e mesmo bastante acima dos verificados na Rússia e outros países de Leste, conhecidos pela máxima dureza das suas práticas penitenciárias. Essa reacção tem um aspecto francamente positivo: obrigar ao uso das penas de prisão em regime aberto que durante décadas foram tal uso foi inibido por decisões negligentes das entidades responsáveis e que, na prática, resultaram na calamidade face à qual Freitas do Amaral disse um dia serem necessários 12 anos – ainda a decorrer – de esforços consistentes para que as prisões portuguesas, um dia, possam ser comparáveis com os standard europeus médios.

Há quem pretenda mobilizar o espírito de vingança dos portugueses para evitar expor ao que vêem quando reclamam por penas mais pesadas. Mas não é preciso grande perspicácia para entender o seu acanhamento.

O CDS/PP acha muito bem os prémios milionários aos gestores em tempos de crise, defende a contenção nas acusações públicas contra pessoas indiciadas judicialmente (sobretudo quando lhes são próximas) e joga nos bastidores as conspirações defensivas, conciliatórias ou de contra-ataque (a alta política dos dias de hoje), e entende tudo isto ser compatível com a redução dos rendimentos dos mais pobres, sabendo que mesmo quem trabalha aufere salários insuficientes para a sobrevivência, alinhando até com todas as políticas tendentes para reduzir ainda mais tais salários, em nome da saúde das empresas. O CDS/PP sabe, como todos nós sabemos, que as prisões são para os pobres e lá as doenças e a morte ceifam vidas em modo acelerado. Há pois alguma coerência nas posições de direita: engavetar a exclusão social; dividir entre os pobres bons e os pobres maus é uma velha receita.

O Ministério Público entrou em guerra contra a droga, nos idos de 80. Conseguiu transformar as prisões em centros de acolhimento forçado de toxicodependentes e, ao mesmo tempo, de supermercado oficioso de tráfico de drogas inflacionadas, de baixa qualidade, de alto risco para os consumidores e de alta rentabilidade para os traficantes. A linha de comando entre o ministério da Justiça e cada estabelecimento prisional, e mesmo dentro dos estabelecimentos prisionais, não existe, dada a concorrência entre si dos poderes fácticos locais e dos interesses que trocam entre si. A ponto de um destes dias centenas de homens da GNR, enviados para acalmar um juiz irritado, ao que parece, invadiram uma grande prisão no Norte para inspeccionar igualmente presos e funcionários com vista a surpreender os tráficos aí existentes. Vem agora o sindicato dizer à praça pública que quer manter activos os negócios prisionais? A sua tarefa deveria ser a de acabar com eles!

Compreende-se que o governo esteja concentrado no essencial para si, exaurido de capacidade de combate por causas “secundárias”, como essa de defender a justiça e o direito. Pela nossa parte estamos dispostos e disponíveis para defender a aplicação alargada de regimes abertos de prisão, com argumentos, com base na experiência portuguesa e nas responsabilidades de cada um na construção de um Portugal sem histerias e focado em melhorar a vida de todos. É assim que entendemos a Justiça.

Lisboa, 2010-04-09


António Pedro Dores
antonio.dores@iscte.pt
[Sociólogo, Professor Universitário - texto escrito em nome da Associação Contra a Exclusão pelo Desenvolvimento, ACED]

Foto: DR

sábado, 3 de abril de 2010

A Igreja Católica e a pedofilia

A pretexto do apagamento da memória que parece ter dominado algumas cabeças eclesiásticas, histórias de abuso e pedofilia continuam a ensombrar o passado da instituição, principalmente porque «a dor das crianças não mente»…
Remonta a Julho de 2004 a peça que, então, publiquei no semanário «O Crime». Apesar da denúncia à autoridade máxima do Seminário de Beja, ao que sabemos nenhuma diligência, até hoje, foi promovida pela hierarquia no sentido de apurar factos e acontecimentos.
A actualidade do artigo é inquestionável, e as denúncias com rosto ali postadas são à prova de fogo. Mas, apesar do formalismo de uma «culpa assumida», a Igreja continua a assobiar para o lado - alegando estar a ser «perseguida»...



Seminário de Beja fornecia «meninos» para orgias
O silêncio das sotainas

Durante anos o Seminário de Beja escondeu vícios privados e ostentou públicas virtudes. Senhores da região, muito beatos, estenderam a sua «caridade» à inocência e miséria de meninos pobres que ficaram marcados para toda a vida. O manto protector das sotainas ainda hoje é cúmplice de silêncios imemoriais. A religiosidade do povo alentejano, aos poucos e timidamente, procura resgatar Cristo da ignomínia de seus ardentes devotos…

Majestoso e imponente, o edifício do seminário de Beja ergue-se beijado pelo tórrido calor alentejano à quietude pardacenta do jardim público, onde velhos e crianças pela mão descansam e passeiam entre o arvoredo.

A cidade recebe-nos prazenteira e simpática à nossa circunstância de forasteiros. O povo alentejano é caloroso, sendo a sua abertura reconhecida por todos os que demandam para essas bandas. Há, no entanto, alguns «códigos» que devem ser respeitados e a sua intimidade dificilmente é exposta à curiosidade dos forasteiros, principalmente quando se trata de jornalistas. Há alguns esqueletos guardados no armário que a patine do tempo teima em fazer esquecer. E há uma mágoa guardada, bem escondida na vergonha sentida de um passado marcado pela ignomínia.

O latifúndio não foi, para os alentejanos, um mero sistema de desigualdade e injustiça na distribuição da propriedade a sul do Tejo. Foi mais que isso. Constituiu um punhal cravado na honra de cada homem e de cada mulher que, juntamente com a terra, foram propriedade de senhores poderosos. Não muitos decénios atrás, ao senhor da terra assistia uma espécie de direito ancestral a «tirar o cabaço» às raparigas. Para além da força de trabalho extenuada à jorna de sol a sol, a entrega tinha que ser total: a virgindade das moçoilas também havia de ser parte do inventário, da arrogância e da vaidade do agrário.

E importa falar destes tempos imemoriais para que se perceba toda a lógica de silêncios e cumplicidades que medra, ainda hoje, em terra alentejana. Uma terra e um povo de uma enorme religiosidade, ao contrário do que possa parecerem pela redutora análise política de movimentos sociais e influências ideológicas. Ao mesmo tempo, uma sólida consciência anticlerical perpassa a mente da maior parte das gentes, fruto de uma memória histórica que cola o clero à sombra das benesses dos poderosos e à guarda conveniente e afagadora dos poderes públicos. Salvo raras excepções, os padres não são benquistos das gentes alentejanas.

O roubo da inocência

Em fim-de-semana tórrido de há uma década atrás, Filipe (nome fictício) deixa as vetustas paredes do seminário para, com a alegria da sua puberdade inocente, ir passar o dia a casa de um benemérito, pessoa muito ligada à Igreja e à caridade, assim uma espécie de protector de pobres e desvalidos… Na herdade, a poucos quilómetros de Beja, quem vai para a aldeia de S. Brissos, esperam-no iguarias e senhores simpáticos. Apesar de lhe tocarem «nas partes» e lhe darem beijos repenicados e insistentes, o miúdo nunca por essa altura se apercebeu ser ele – e não os pretos servidos no repasto – a iguaria…

«Só tomei consciência de tudo quando, já adolescente, me apercebi que o carinho e afecto dos adultos não deve ter expressões dessas nas crianças», diz-nos Filipe. Ainda hoje, largado e seminário «pela incompatibilidade de vocação», casado e pai de filhos, este homem ainda jovem tem dificuldade em lidar com os seus medos, com esse lado obscuro de um passado que lhe roubou a inocência. Nunca mais passou pela herdade, que entretanto mudou de proprietários, e dificilmente nas suas idas a Beja consegue olhar, sem que uma lágrima lhe aflore o rosto, as paredes de uma sobriedade ostensiva em que se ergue o Seminário Diocesano de Nossa Senhora de Fátima (assim se chama com todas as letras, em rigor da verdade). É que, dentro dessas mesmas paredes, desses muros de silêncio cúmplice, foi também alvo da rapina libidinosa de quem usava «em vão o nome do Senhor» …

Silêncios cúmplices

Na cidade comenta-se, ainda hoje, esse passado negro da instituição secular e recordam-se os silêncios dos vários poderes. E fala-se das actividades de um sacerdote, responsável por uma instituição de acolhimento de estudantes, qual predador, que continua, pesem embora os escândalos de pedofilia na capital, a perseguir jovens e a seduzir meninos a troco de prendas, comprando a sua inocência e a sua pobreza. Todos sabem, todos calam, todos são cúmplices! – A começar peles autoridades, a quem estas actividades pedófilas não são alheias.

Pedro (nome fictício) também conheceu a herdade e, como Filipe, também ele saltitou a sua inocência no regaço de senhores muito beatos. Confrontado com factos, datas, locais e práticas que só quer esquecer, reagiu com um choro convulsivo e quase silencioso, ao mesmo tempo que o seu corpo se via possuído de um tremor antigo feito de vergonha e de dor. Continua ligado às coisas da Igreja, não seguiu o sacerdócio porque, entretanto, por altura da adolescência, a sexualidade despertou abrupta e vivificada, regeneradora mesmo, nos amores clandestinos de uma senhora mal casada. Separações consumadas, a dela com o marido, a dele com o passado – partilham um pequeno apartamento na margem sul do Tejo, mesmo ali em frente ao elefante branco que foi a Lisnave, berço de greves e lutas sociais. Pedro não fala, mas procura resgatar Cristo dessa ignomínia despudorada de sacerdotes que escondem velhos segredos pecaminosos nas franjas das sotainas…

Há muito tempo…

O actual reitor do seminário de Beja, padre Manuel Rosário, diz-nos: «Há dez anos atrás encontrava-me no estrangeiro». Curiosamente – ao contrário de parte substancial do povo da velha urbe alentejana -, desconhece «por completo o assunto» … E esta posição, ao mesmo tempo cautelosa e contraditória, ilustra a mundivivência da cidade e os silêncios que lhe subjazem. Em privado, longe de um comprometedor gravador ou de uma inconveniente máquina fotográfica, todos são unânimes em ratificar histórias de abusos e vilanias. Mas calam em público, numa cumplicidade negligente, o que é de seu foro privado, de conversas em família, ou em tertúlias de cafés da baixa.

A cidade, a bela Beja palco de tantas irreverências revolucionárias, cala-se à baixeza maior do rasgar das inocências e do desflorar das alegrias soltas desses «filhos do povo que nunca foram meninos». Pior do que a instituição latifundiária, causadora de tanta fome e de tanta dor, é essa memória antiga que todos – os das esquerdas e os das direitas – teimam em esconder nos armários.

A sociedade alentejana só se livrará do espectro lúgubre dos esqueletos que transporta na História quando, algum dia, se libertar do silêncio cúmplice de seus vícios privados. Filipe e Pedro são os primeiros heróis dessa missão histórica…

António Manuel Pinho

[in «O Crime», 1 Julho 2004]

sexta-feira, 2 de abril de 2010

Guiné-Bissau

MIL defende
Força Lusófona de

Manutenção de Paz

Enquanto entidade sempre atenta ao que se passa em todo o espaço lusófono, o MIL tem acompanhado todas as convulsões que têm ocorrido no ainda frágil Estado da Guiné-Bissau.

Nessa medida, face às notícias dos últimos dias, que dão conta de mais uma tentativa de golpe de estado – com a detenção do primeiro-ministro, Carlos Gomes Júnior, e do chefe de estado maior das Forças Armadas, Zamora Induta –, o MIL vem, uma vez mais, apelar à CPLP para que se empenhe mais no fortalecimento do Estado guineense.

Após a morte de Nino Vieira e da eleição de um novo Presidente da República, Malam Bacai Sanha, os vários órgãos de comunicação social – nomeadamente, em Portugal – procuraram dar uma imagem da Guiné que, como uma vez mais se comprova, não se adequa à realidade.

O Estado da Guiné-Bissau tem futuro, mas precisa do apoio de toda a Comunidade Lusófona. Recordamos, a este respeito, que o MIL propôs já, em devido tempo, o instrumento ideal para acorrer a situações como esta – uma “Força Lusófona de Manutenção de Paz”, com a participação de todos os países da CPLP, na medida das possibilidades de cada um, conforme o teor da Petição por nós lançada: http://www.petitiononline.com/mil1001/petition.html
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MIL - Movimento Internacional Lusófono
http://www.movimentolusofono.org/

Pela Liberdade de Imprensa

Pela Liberdade de Imprensa
CONTRA A MORDAÇA E A CRIMINALIZAÇÃO DE JORNALISTAS. A LIBERDADE NÃO SE DISCUTE!

Jornal PRIVADO, Informação Pública

Porque o JORNALISMO não é o mesmo que vender lentilhas. Porque um JORNAL deve ser a última trincheira da liberdade. E porque os JORNALISTAS não são moços de recados.


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ANTÓNIO PEDRO DORES

JOSÉ LEITE

JOSÉ PEDRO NAMORA

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MÁRIO LESTON BANDEIRA

PEDRO QUARTIN GRAÇA


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