terça-feira, 30 de março de 2010

Debates sobre a Democracia

Haverá liberdade em Portugal?

António Pedro Dores*
antonio.dores@iscte.pt

Parece absurda a pergunta. Pelo menos para a grande maioria de nós que não foi incomodada por falar. Tal como no regime anterior, a maioria de nós ainda que quisesse dizer alguma coisa teria dificuldades. Por não saber como. Por falta de escolaridade, por falta de cultura, por falta de experiência de debate, por falta de liberdade, numa palavra.

E sofre-se com isso? Ou, ao contrário, é-se mais feliz por ignorar e não querer saber? Como na canção, o melhor é não nos preocuparmos porque isso só vai aumentar os problemas? Os dados comparativos sobre doenças mentais não enganam: o dobro dos portugueses sofrem desse tipo de doenças quando comparados com outras nacionalidades do sul da Europa. E são sobretudo as mulheres que sofrem de ansiedade.

Será por falta de liberdade?

A ter em conta que apenas recentemente passou a ser possível em Portugal denunciar publicamente a violência doméstica e os abusos contra crianças, pode bem-estar aqui uma parte da explicação. Sabe-se também que as mulheres em Portugal trabalham tanto como as nórdicas e são aquelas que mais trabalham, o que aparenta um contraste com o conservadorismo noutras áreas. Quer dizer: para pormos as mulheres a trabalhar, sobretudo pagando-lhes menos que os homens mas pagando mal a ambos e estimulando uma sociedade consumista, nesse campo não somos conservadores. O que é uma oportunidade para elas escaparem à dependência tradicional através do trabalho (como do estudo). Fazem-no pela calada, sem grandes alardes – porque se lembram do que aconteceu no Parque Eduardo VII, em liberdade pós-25 de Abril, à primeira manifestação feminista em Portugal: foram cercadas de homens com cio. Não o fazem sem custos, portanto. Entre os quais a discrição e sempre mais trabalho.

Provavelmente uma das causas e consequências de tal depressão é a taxa de natalidade sustentada e cronicamente abaixo da capacidade de reposição da população – que continua a somar-se, outra vez de forma dramática nos últimos anos, com a emigração. Não há quem aguente. Como dizem mais de um terço dos portugueses inquiridos, passar a integrar o reino de Espanha não seria má ideia.

No parlamento, por hesitante iniciativa do PSD, com apoio sobretudo do Bloco de Esquerda – com a oposição do PS – e por imposição dos factos (de facto a roubalheira está em fase de profissionalização oficial), dada a corrupção reinante, as tendências desreguladas para a concentração dos órgãos de comunicação social, os ataques à autonomia da classe dos jornalistas, discute-se a liberdade de imprensa. Uns dizem que o governo conspira (que haveria ele de fazer?) outros dizem que acham bem que assim seja e que isso é democrático (será que também eles conspiram?). Sobre a liberdade de expressão, nem uma palavra. Sobre a vida do povo, um manto de silêncio: sobre a falta de educação e de respeito por iniciativas populares, seja a nível autárquico onde reina o caciquismo, seja a nível político onde reina o tráfico de influências, seja nível legislativo onde mandam as “vírgulas” e proliferam as leis com alçapões, seja a nível da banca onde se digladiam seitas secretas pelo controlo das finanças e do governo, seja a nível cultural, tanto nas universidades – que continuam sem bibliotecas – como nos museus, nos teatros, na música, na literatura, na filosofia, nas escolas, a censura tem a forma de invejas, tropeções, perseguições administrativas, abusos de poder. Mas não deixa de ser esta censura que remete para o estrangeiro milhares de licenciados à procura de respeito pelo seu trabalho e pelas suas pessoas, lá onde a liberdade possa ser coisa mais sentida e reconhecida.

Portugal não sabe o que seja a liberdade. Porque das raras vezes que lutou por ela não quis morrer por isso; preferiu acomodar-se a conceitos perversos sobre o que isso seja. Liberdade não é cada um fazer o que lhe apetecer; mas também não é encolhermo-nos de cada vez que alguém mais poderoso manifesta incómodo pela nossa existência. Liberdade é cada um assumir a dignidade da sua identidade auto-determinada e auto-construída, plantada e mantida como um jardim para benefício de todos e da sociedade. Liberdade é o respeito que devemos aos outros, tal como reclamamos que nos respeitem a nós, independentemente do que cada qual entenda ser melhor para si e para todos os outros, incluindo a liberdade de lutar pelas suas convicções.

A liberdade tem consequências: o reconhecimento dos méritos e também das derrotas. Mas tem defesas: a dignidade de todos e cada um é sobretudo a defesa da dignidade alheia. Nesse país não poderia ser dito, como eu ouvi dizer aqui, que embora haja gente a viver com salários de trabalho indignos, tais salários vão ter de baixar em nome da economia.

Só a falta de liberdade explica ser pensável avançar com tal argumento. Só a falta de liberdade permitiu a sua repetição metralhada, sem reacção. Só a falta de liberdade permite dizer-se que há liberdade de expressão em Portugal.


*Sociólogo, Professor Universitário
http://iscte.pt/~apad/novosite2007/

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