quinta-feira, 16 de julho de 2009

O Fio da Navalha


O progresso

> José Leite
privado.leite@gmail.com

Deixei por momentos o bulício citadino e o sonho levou-me às memórias da minha infancia,na aldeia vizinha da de onde o dr.Oliveira Salazar nasceu e jaz.E vi de novo o verde dos campos cobertos de geada e aquele cheiro indescritível das manhãzinhas e o balir das cabras a quebrar o silêncio; vi, como se estivesse aqui mesmo perto de mim, a vaca malhada do ti Jaquim, na quinta dos Borges, a ser mugida a fim de dar o leite matinal para a comunidade; senti o cheiro dos lumes de chão e da carqueja a ser consumida pelas chamas; o sabor do cozido à portuguesa a crepitar nas panelas de ferro; o pão de milho no forno acabadinho de cozer e a ser acompanhado por aquele chouriço de sangue do porco que deu às de Vila Diogo no ano passado; as noites da espiga por entre cânticos como se fosse um ritual aos deuses; os mergulhos do cimo das pedras graníticas nas águas limpidas do Mondego, onde, de tempos em tempos, as lontras davam um ar da sua graça; os homens na adega da casa a pisar os cachos de uvas e aquele cheiro do mosto no ar; vi, sobretudo, aquele manto verde das parreiras de uvas e das árvores a estender-se pelo horizonte.

Acordei, de súbito, sobressaltado por um telefonema da presidente da Junta a informar-me, sem apelo nem agravo, que parte de um terreno que dava pelo nome de Pomar – pois era aí que os meus antepassados trabalhavam a terra e dela ano após ano, colhiam o seu sustento – iria ser expropriado para ser atravessado por uma estrada. A bem do progresso, oliveiras centenárias, terra arável, videiras e couves tronchudas iriam dar lugar ao betão e a uns postes de electricidade...com a promessa no ar de que, num futuro, não sabemos se imediato, o pedaço de terra agora ferido de morte pelo alcatrão, passaria de rústico a urbano e até poderia construir uma daquelas casas «apalhaçadas» com vista para o rio. Compreendi logo que estamos em vésperas de eleições e não há nada como estas obras de grosso calibre para o poder autárquico mostrar serviço. Se o exemplo vem de cima com os TGV e as auto-estradas…Talvez daqui a uns tempos, o Espadanal saia do anonimato e dê lugar a uma pequeno tugúrio de prédios, qual deles o mais berrante, onde já não se vejam a meia dúzia de mulheres que restam trajando de negro, polvilhado de lojas chinesas, comida de plástico e hotéis esventrando a floresta para terem o melhor acesso ao vale do Mondego. Tudo a bem do progresso, é claro…

SP, nº3, 15 de Julho 2009

1 comentário:

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