O Fio da Navalha

O trevo de quatro folhas

José Leite
privado.leite@gmail.com

O admirável lider do PS – a exemplo de um outro ex-primeiro-ministro, que nos já havia surpreendido com os concertos de violino de Chopin, que nunca foram da autoria do compositor polaco - resolveu surpreender os telespectadores de um programa da SIC, que tinha por finalidade dar a conhecer o lado mais intimista dos políticos, declamando uma ode que, segundo ele, era da autoria de Ricardo Reis, quando, afinal, pertencia a outro heterónimo de Fernando Pessoa, Álvaro de Campos. Falava Sócrates,com o Tejo como pano de fundo, num trevo de quatro folhas que viajava pela universalidade do ser português, um mundo pluricontinental e racial, de que, curiosamente, um dos patriarcas do PS,Mário Soares, ajudou a desfazer no famigerado Acordo de Alvor. Interessante como nesta fase decisiva da chamada caça ao voto, os principais líderes de partidos vestem roupagens que, definitivamente, não lhes ficam nada a condizer. Como aquela de ver Paulo Portas abrindo as portas do seu lar, revelando que Sharon Stone é um dos seus ícones sexuais com direito a quadro ao cimo da escada, ao lado do herói da banda desenhada Corto Maltese. Ou ver a Manuela Ferreira Leite, com um visual mais rejuvenescido, preocupada com a excessiva carga fiscal que martiriza os portugueses ou não tivesse sido ela a principal impulsionadora da reforma fiscal, também caracterizada pela perseguiçâo tenaz ao contribuinte, não importa a sua classe social ou condição económica.Isto já para não falar no facto de ter «chumbado» Gonçalo Amaral a uma candidatura autárquica por motivos que não se descortinam, mas que, certamente, terão a ver com os estranhos poderes exercidos pelos pais de Maddie sobre a nossa classe política.

Se o trevo de que fala Sócrates viajasse agora até esta ditosa pátria minha, certamente que ficaria logo murcho ao ver esta miséria intelectual, ignorância e hipocrisia que dão mostras os putativos candidatos à cadeira do poder. Da universalidade da epopeia de outrora, estamos reduzidos ao rectângulo e a umas ilhas habituadas a sangrar o contrtibuinte sem dó nem piedade... mas que ainda mostram obra feita. Do Oriente ao Ocidente, de Bruxelas a África, resta-nos a imagem de um país pobre, onde a corrupção campeia, a justiça emperra, no qual sopram ventos de censura à liberdade de expressão e onde se inventam obras megalómanas só para financiar os cofres partidários. Como diria Álvaro de Campos (esse, o original),«onde estão as cidades de hoje que eu tanto amei, os mares que os navegadores abriram, porque não levaste para essa imensidão do Infinito toda esta trupe que nos sangra, onde arda ao rubro tudo o que talvez seja o Futuro».

SP Nº12, 16 de Setembro 2009