quarta-feira, 30 de setembro de 2009

Condenado a prisão perpétua e ilibado
«Porquê?! Ainda hoje não sei»


Costuma dizer-se: «o olhar não mente». Em Amilton Nicolas Bento [Nico para os amigos], o olhar expressa uma dupla circunstância e revela um homem ainda não refeito dos «demónios» que o atormentam. À alegria cristalina do olhar, por uma liberdade ganha a ferros, encontramos, lá no fundo deste ser, uma névoa de tristeza que parece querer dizer: «porquê eu?»...

Parece-nos - mas estas coisas do sentir são sempre tão relativas - que Nico, ainda, não levantou ferro da noite negra de 13 de Dezembro de 2005 e procura, num esforço quase sobre-humano, perceber o que aconteceu a Kamila Garsztka, a jovem polaca com quem partilhava afectos e intimidade, súbita e inesperadamente engolida pelas águas do lago Priory Marina, em Luton, Reino Unido.

E, nessa dolorosa necessidade pessoal de entendimento, Amilton Bento, não refeito da ressaca da perda e de tudo o que se lhe seguiu, atira para si o ónus de uma «culpa» que o vergasta como um chicote: «Sofria de uma depressão. Era infeliz e eu, infelizmente, não a ajudei porque não me apercebi da gravidade». Assim, de um só jorro, numa comoção que se apercebe lá bem fundo, este homem corrói-se de dor e mágoa, como se a sua «culpa» pudesse justificar todas as pulhices que as autoridades britânicas lhe fizeram em nome da «Justiça».

Acusação atamancada

Acusado, como já se sabe injustamente, revela agora com a voz trémula de quem revive tudo: «Senti uma grande revolta, mas também uma certeza interior de que se tratava de um terrível engano e que, no dia a seguir, tudo seria esclarecido. A verdade vem sempre ao de cima. Infelizmente, comigo, demorou quase dois anos e meio».

Pois, mas a verdade às vezes tarda e Nico, no desespero das suas crenças tolas na Justiça [hoje o sabe amargamente], perdeu dois anos e meio de uma vida jovem, período de tempo que, mesmo superando o trauma da perda e da impotência, jamais esquecerá. Ele, a sua mãe-coragem, os irmãos, os sobrinhos, a velha avó, os amigos, todos os que, não raras vezes anónimos, não baixaram os braços. E isto apesar de certa imprensa, dita «séria e de referência», o ter condenado em praça pública na sua própria terra.... Provavelmente por ser pobre, eventualmente por ter «a cor de pele errada», seguramente porque a tristeza e o drama dos outros sempre serve para vender mais papel e ajuda ao apelo alarve das lógicas securitárias.

A polícia britânica, tida como «uma das melhores do velho mundo»... fez o que é, quase sempre óbvio... Supostamente revoltado pelo «fim da relação» - uma mentira abjecta da táctica policial «chapa 5»... «Muitas calúnias sobre mim foram inventadas, essa foi só mais uma delas. Também inventaram que eu andava cansado das pressões para que ficasse com ela, que a Kamila queria casar e eu não... Enfim, inventaram sobre a minha vida, sobre a dela, e nem um nem outro nos pudemos defender. E, também por ela, não deixarei que o caso morra!», diz-nos Amiltion com o olhar firme, grave, numa convicção certeira como balas à nojeira policial montada, com a ajuda de uma imprensa xenófoba e preconceituosa. «Repito: muita coisa foi escrita pela imprensa inglesa e usada contra mim. Essa é só uma das muitas mentiras inventadas que denegriram a minha pessoa e quem me criou. Além de vítima de uma polícia corrupta, também fui vítima de um poder que a cobria: os media!»

Os «especialistas» do «caso Maddie»

Desse dia já distante, mas presente na memória do jovem, havia que construir um «caso». O saco de Kamila, encontrado em casa de Nico, constituiu logo «prova» evidente do crime. A gravação vídeo da presença da namorada na ponte do Priory Marina, «provava», também, que a jovem polaca trazia o saco a tiracolo, num rasgo de manipulação aferido por um «especialista americano», Casey Cottle, que, veio a saber-se, não passa de um vigarista. E, como dá sempre jeito, faltava a «comprovação científica» do Forensic Science Servics (FSS), precisamente o mesmo «maior laboratório europeu» que, também «cientificamente», meteu o «pé na argola» no «caso Meddie», fazendo desaparecer um relatório e manipulando outro, conforme já foi amplamente referido na imprensa...

Valeu a Amilton Nicolas Bento o empenho e convicção da família e dos amigos, o profissionalismo de um dos melhores advogados britânicos e a «militância» de gente que nem o conhecia, mas que nele sempre acreditou, para que a condenação a prisão perpétua pudesse ser anulada e Nico devolvido à liberdade.

Estar preso, inocente para mais, «é revoltante. É uma luta constante. É a procura incessante da resposta à pergunta: 'Porquê?!'. Ainda hoje não sei...», atira célere sem que a sua gaguez anule o efeito das palavras.

A solidariedade, muitas vezes sem rosto e anónima, já pôs em marcha uma petição online que tem por objecto processar o Estado britânico. Amilton, mais uma vez, comove-se com o gesto: «Sei que a ideia surgiu do Dr. Paulo Sargento, um psicólogo de renome deste país, a quem agradeço publicamente esse acto. É um homem de valores e de Justiça. Fui condenado e, eu e a minha família, provamos a verdade sozinhos. Por isso é que dou tanto valor a um homem que, a troco de nada, dá o seu nome e o seu rosto por mim. Éde uma enorme coragem e dá uma lição a todos».

Refazer a vida

Apesar da mágoa, da dor sempre presente pela injustiça, Amilton Nicolas refaz a sua vida. «Estou a acabar o meu livro com toda a história, com toda a verdade. Está a ser escrito pela jornalista Patrícia Lucas, que fez a reportagem 'Inocente – Not Guilty', que passou na RTP. Além de repôr os factos, este livro é também uma homenagem aos grandes vencedores desta luta contra a Justiça inglesa: a minha mãe, as minhas irmâs e sobrinhos, os meus irmãos, a minha avó... Profissionalmente também estou a apostar na minha grande paixão que é a fotografia, e é neste ramo que quero trabalhar».

> António Manuel Pinho
privado.apinho@gmail.com

Edição Nº14 > 30 Setembro 2009

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