O Fio da Navalha

Tourada

José Leite
privado.leite@gmail.com

«Entram velhas doidas e turistas
Entram excursões
Entram benefícios e cronistas
Entram aldrabões
Entram marialvas e coristas
Entram galifões
De crista (...)
Entram empresários moralistas
Entram frustrações entram antiquários e fadistas
E contradições
Que dá lucros aos milhões
E diz o inteligente que acabaram as canções»

Neste tempo de eleições pus-me a dissertar como este poema de Ary dos Santos, magistralmente interpretrado por Fernando Tordo no Festival da Canção de 1973, em plena primavera marcelista, tem plena actualidade.

Olhem para os candidatos que se perfilam para um lugarzito nas câmaras e vejam se a «roupagem» do poema não lhes fica a condizer. Há ex-foragidos à justiça, acusados de corrupção que voltam a «atacar», toupeiras que mudam de partido de quatro em quatro anos, peões de brega que vão a todas,o utros que, em vez de guizos, chocas ou capotes, oferecem músicas malucas «pimba» ao povão à cata do voto, há «socialites» que se pavoneiam por aí junto de politicos, procurando almejar um lugar ao sol na distribuição dos lucros pós-eleitorais (leia-se, nas festas e festinhas de Verão principescamente pagas pela edilidade), «não importa sol ou sombra»...

E, no meio da tourada, soam «brados e olés dos nabos que não pegam nada», ou seja, do Zé transformado em simples espectadcor, a quem lhe roem a carne até aos ossos, depois de receber as palmadinhas da praxe dos «cavaleiros à garupa» que lhe caçam o voto, sem dó nem piedade. Se Ary dos Santos regressasse do Olimpo dos poetas, não faltariam poemas de escárnio e maldizer da sua lavra para retratar esta corja pobre de espírito e putrefacta que nos (des)governa.

«Com bandarilhas de esperança
Afugentamos a fera
Estamos na praça
Da primavera»

Edição nº15, 7 Outubro 2009