António Pedro Dores*
Na aparência o Presidente do Supremo Tribunal de Justiça e o Procurador-Geral da República – quem sabe se não foi com a intenção de proteger a justiça de mais uma vergonha – decidiram atirar para canto uma série de queixas-crime atiradas por órgãos próprios sedados em Aveiro.
Mesmo o mais iletrado dos portugueses entendeu haver ali trafulhice. Os mais informados reclama que se classifique o processo: ou é administrativo ou é criminal? É que está num limbo para poder ser criminal no alcance e administrativo no tratamento. E este é um processo regulado ao mais alto nível das instituições judiciais. Poderemos imaginar o que se passa nos níveis ainda mais incompetentes da “justiça”.
No fundo do Estado uma prisão do Porto foi atacada por 3 centenas de GNR à procura de droga. Desde o director da cadeia até ao chefe de guardas, passando pela guarda prisional especial ao serviço da direcção geral dos serviços prisionais, ninguém é de fiar. Nenhuma explicação, ou sequer pedido de esclarecimento, mereceu esta aventura. Para os que definem normal como o respeito pela norma, e criminoso o que falta de forma conhecida a alguma regra social básica inscrita no código penal, para esses estes dois casos, e sobretudo a realidade de que emergem, pura e simplesmente não existe. De facto, não pode existir. Quando os guardas das normas falham às normas a normalidade perde qualquer sentido e, das duas uma: a) a norma precisa de ser reafirmada – como gostam de dizer – e alguém terá de ser punido (mas quem? E como?); b) a norma não existe, pelo menos na formulação fácil mais utilizada pelos juristas básicos e seus seguidores.
Há ainda uma terceira hipótese, quiçá a mais provável: os Portugueses, por norma, especializaram-se em tornarem-se seguidores básicos de juristas básicos, sobretudo se bem colocados hierarquicamente. Se for esse o caso, porque é que os Portugueses se comportam como pessoas vítimas de abuso? A pergunta impõe-se: quem abusou e como dos Portugueses? Porque persiste a síndrome da Casa Pia? Porque fomos incapazes de tratar o assunto e como ele continua a emergir na nossa vida colectiva persistentemente?
*Sociólogo > Professor do ISCTE
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