António Pedro Dores*
Faz algum tempo, diria 8 anos, que a sociedade portuguesa assumiu estar a dar cobertura a um sistema de justiça que distingue os "ricos" dos "pobres". De facto, reconhecemos a pouco e pouco aquilo que Jakobs designou por "Direito do Inimigo".
Ao contrário da receita doutrinal de John Rawls - que reclamava à judicatura, para fins de Direito efectivo, discriminar positivamente os "pobres" nos tribunais - os sistemas judiciais ocidentais sofreram uma tendência adaptativa relativamente às novas ideologias dominantes e à invasão de legislação avulsa. O resultado prático, verificável, foi o aumento da diferenciação de regimes de justiça conforme a condição social dos arguidos e testemunhas, agravada pelos custos aumentados no acesso à justiça, com o fito de impedir as reclamações crescentes das populações injustiçadas.
A impunidade de uns e a excessiva punição de outros (refiro-me aos resultados penais absurdos e irracionais das políticas proibicionistas) vai de par com o aumento da corrupção, o aumento da sua visibilidade e também da vontade (de senso-comum) dos magistrados em "cumprirem a sua função".
O problema é que, entretanto, a adaptação do sistema judicial ao sistema (neo-conservador e neo-liberal) dominante (corrompido, em grande parte, por falta de regulação) retirou aos magistrados e às instituições de justiça não apenas a credibilidade como também as competências para actuarem conforme o Direito. O arbitrário e o poder pelo poder é o dia-a-dia dos tribunais. Mesmo quando, agora, o sector se enche de brios e quer atacar a corrupção ao mais alto nível.
O pilar judicial do Estado de Direito está refém dos interesses fácticos que o sufocam, por fora e por dentro, sempre ao mais alto nível. É o que temos assistido.
*Sociólogo, Professor Universitário
Foto LUÍS ROCHA
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